terça-feira, 31 de março de 2009

78. Taíte


Recentemente, na televisão, renomado comentarista esportivo falou do Taíte, famoso clube infantil boliviano de futebol, que vence todas as competições nacionais, regionais e internacionais de que participa. Nem por isso, continuava ele, a Bolívia consegue sucesso nas participações em competições de futebol adulto, regionais e internacionais. Concluindo, disse ele que em futebol inexiste a preparação de equipes infantis campeãs para se tornarem equipes adultas campeãs. A equipe campeã adulta se arregimenta entre adultos aqui e agora, que se tornam campeões.
Isso lembrou-me extenso artigo em jornal diário do Rio, onde o autor enumerava as alegações feitas pelos chamados pais do Cruzado para justificar o fracasso do plano em razão de interferências indevidas de outras pessoas e grupos.
A meu ver, o insucesso do método é-lhe intrínseco. Democracia liberal alguma tem condições de aplicar em tempo de paz a economia do tempo de guerra. A economia de guerra de Galbraith, que recentemente foi batizada com o nome de choque heterodoxo, tem origens socialistas e teve sua época de sucesso com o nacional-socialismo alemão, como relata Hayek em seu livro “O Caminho para a Servidão”.
A Europa do início do século XIX foi dominada por Napoleão Bonaparte, o general francês proveniente da Revolução Francesa. A Alemanha do final do século XIX foi realização do espírito militarista alemão encarnado em Bismarck. A organização militar empolgou a mente dos pensadores socialistas alemães do início do século XX.
Esses autores preconizavam organizar a sociedade à maneira de um exército. Justificavam esse plano baseando-se na concepção de que o Estado é um ser autônomo e superior aos indivíduos. O Estado não existe para fazer o bem dos indivíduos. Os indivíduos subordinam-se aos interesses do Estado.
Johann Plenge, durante a Primeira Guerra Mundial, escreveu um livro onde encarava aquele conflito como a luta entre a Alemanha e a Inglaterra, entre os ideais socialistas e os ideais da Revolução Francesa, entre as idéias da sociedade militar e as idéias da sociedade comercial, entre a organização e o livre mercado.
Entre 1920 e 1940, o pensamento da organização da economia na forma militar, isto é, a necessidade de que se adote em tempo de paz a economia de tempo de guerra, tomou vulto e pareceu tornar-se vitorioso. Quando o povo na Rússia saiu às ruas gritando “Abaixo Lenin! Abaixo a fome! Queremos o czar e o leitão!”, Lenin tentou explicar que a escassez decorria do comunismo de guerra.
Duas consecutivas vitórias militares das nações aliadas fizeram o pensamento da economia planificada perder algo do vigor antigo. Mas, ele ficou, sobretudo entre nações do Terceiro Mundo. Vamos também encontrar-lhe resquícios nas idéias de Galbraith, como já tivemos oportunidades de expor.
Essas são as raízes ideológicas do Plano Cruzado. Mas, em economia como na produção de futebolistas, a organização consciente não é o melhor método. O livre mercado é mais eficiente. Sociedade militar e sociedade civil são realidades diferentes. A sociedade militar é um acidente. A sociedade civil é essencial. A sociedade militar se forma na desigualdade e na opção consciente. A sociedade civil se forma na igualdade e na tendência espontânea do indivíduo. A sociedade militar é ordem imposta por organização externa ao indivíduo. A sociedade civil é ordem decorrente do organismo que se forma por tendência intrínseca ao indivíduo.
O mercado livre e a economia de guerra radicam-se em ideologias conflitantes. Sociedade civil não é exército nem convento.
Gombrich no seu livro “História da Arte” diz que o século VI a. C. foi o mais assombroso período da história humana. Então, o homem passou a contestar a tradição e a pensar por si próprio. O cidadão ateniense tornou-se livre!

(Escrito e publicado em 1986)

segunda-feira, 30 de março de 2009

77. O Congelamento de Preços



No mundo ocidental, surgiu uma civilização deliberada a viver na riqueza. Adam Smith explicou a riqueza como produto da atividade humana. E achou que a liberdade é condição necessária para que o homem produza a riqueza. Ele pensava na liberdade política: a atividade humana, inclusive a de produzir, não pode ser coarctada pela vontade dos que governam. O Estado, a máquina opressora da sociedade, não deveria interferir na economia, isto é, na atividade humana de produzir riqueza. Ao rei que indagava como agir para tornar rica a França, François Quesnay redargüiu: nada faça.
Os interesses da sociedade e do indivíduo não são conflitantes. A sociedade é o meio que os indivíduos encontram para produzir mais, ter mais riqueza e viver melhor. Cada indivíduo produz o que sabe fazer melhor e troca o seu produto pelo dos outros. O desejo de viver melhor, de ser rico, leva à especialização, à cooperação e à sociedade.
O fato de trocar produtos é o mercado. O mercado é o conjunto de trocas livres. A troca livre se concretiza quando dois indivíduos atribuem o mesmo valor aos objetos que trocam. Enquanto não é alcançado esse consenso, a troca é inviável. Esse valor é o preço. O preço de consenso é o preço de troca, é o preço de mercado. No preço de troca, os interesses de ambos se conciliam: ambos ganham. No mercado, existe número incontável de trocadores. Cada trocador tem a sua necessidade e, por isso, atribui o seu valor a cada objeto. A média resultante dessas valorizações individuais é o preço de mercado. O preço começa como ato pessoal e acaba como valor impessoal, porque resultante da vontade de todos os indivíduos. O mercado livre e o mecanismo de preços são prerrogativas de sociedade de indivíduos livres e dignos, que querem viver melhor e enriquecer, que sabem o que querem, e querem decidir soberanamente o seu destino.
O congelamento de preço não acaba com o mercado inteiramente. O Estado, o instrumento social opressor das vontades individuais, respeita o valor que os indivíduos atribuem aos objetos, desde que não se eleve acima de um valor que o Estado julga correto. Acima desse valor, o Estado acha que a troca beneficia mais a um indivíduo que a outro. Até esse preço de congelamento, os indivíduos podem estabelecer os seus próprios preços de troca. O congelamento de preços é a imposição da vontade dos governantes, isto é, dos homens que detêm o poder opressor da sociedade sobre a vontade dos indivíduos. É a prevalência do critério e da vontade dos que têm a força social sobre a avaliação, a vontade e a decisão dos indivíduos em contratos do seu interesse.
Mas, o congelamento de preços desmantela o mecanismo dos preços. É óbvio que o preço congelado se acha em nível inferior àquele que equilibra a demanda com a oferta. E sempre provoca o excesso da demanda sobre a oferta.
O congelamento dos preços é uma violência contra o mercado, contra a liberdade individual e contra a propriedade privada. Despojando os empresários do lucro natural do negócio, desestimula a produção e o comércio. Os interesses contrariados dos produtores dão oportunidade à estocagem e à sonegação. O congelamento gera a escassez. Diocleciano, imperador de Roma, tornou-se famoso exemplo histórico da escassez provocada pelo congelamento de preço com o édito do ano 301 da Era Cristã. Generaliza-se a marginalidade econômica. Grassa a especulação e o ágio. Recrudesce a fiscalização e o castigo. Agiganta-se o sistema repressor do Estado. O congelamento é menosprezo à inteligência daqueles cujos interesses são por ele contrariados.
Na sociedade consumista dos tempos presentes, ir às compras constitui um dos maiores divertimentos do indivíduo. O congelamento de preços violenta tal hábito. Repugna passar antes pela delegacia de polícia, sempre que se for ao supermercado.
Galbraith advoga que a política econômica do tempo de guerra seja imposta no tempo de paz, sempre que ocorra inflação desenfreada. Isso implica o congelamento de preços. Acha que, no mundo atual, o congelamento é facilmente aplicável sem o risco da escassez com suas seqüelas indesejáveis, já que o poder econômico, concentrado como está nas poucas grandes empresas e nos sindicatos, pode ser sem dificuldade controlado.
O congelamento não erradica a inflação. Reprime-a e disfarça-a. Cedo ou tarde, cessada a pressão estatal, a inflação reaparecerá. Menos forte, alega Galbraith com exemplos da História.
(Escrito e publicado em 1986)

domingo, 29 de março de 2009

76. O Plano Cruzado


Em 1975, John Kenneth Galbraith publicou o livro intitulado “Moeda”, onde defende, à luz dos ensinamentos da História, importantes teses macroeconômicas.
A quantidade de moeda influencia os preços. Eleva-os, quando excessiva. Deprime-os, se escassa. A acentuada presença da moeda contribui igualmente para estimular a atividade econômica. Só há progresso com inflação. Idéia fortemente ressaltada por Galbraith é que não é decisiva a influência da massa monetária para o desenvolvimento econômico. É meramente secundária. Dessa forma, posiciona-se contra o pensamento dos monetaristas como Milton Friedman.
Galbraith afirma que a injeção de moeda é insuficiente para retirar a economia da recessão. Faz-se mister uma política fiscal caracterizada pelas despesas excessivas do Governo. Essa é a doutrina de Keynes, segundo a qual as despesas do Governo são decisivas para promover a atividade econômica quando excedentes, e para desaquecê-la se deficientes com relação às receitas.
Galbraith, porém, não se mostra tão otimista quanto Keynes em se tratando da capacidade moderadora da política fiscal, sempre que ocorre a espiral inflacionária. Faz-se mister, então, usar os instrumentos da política econômica de tempo de guerra. Galbraith foi o principal executor da política de congelamento de preços do Governo Americano durante a Segunda Guerra mundial.
O planejamento central é característica da economia de tempo de guerra. Sem abolir o mercado, o Governo liberal interfere profundamente nele, impondo o congelamento de preços e o racionamento. Galbraith acha que, instalada a espiral inflacionária na economia, a saúde econômica somente se restabelece com a adoção desses instrumentos, especialmente o congelamento de preços.
O Plano Cruzado eliminou a correção monetária. Mas, foi o congelamento de preços das mercadorias que acendeu o entusiasmo popular pelo Plano Cruzado.

(Artigo publicado no jornal "A Libertação", de Parnaíba-PI, em 02/03/1986)

sábado, 28 de março de 2009

75. A Religião da Terra


Nós, cristãos paulinos, temos muita dificuldade de compreender uma religião terráquea. A religião teria que incluir a imortalidade ou, pelo menos, a ressurreição, isto é, a imortalidade numa segunda etapa da vida num outro espaço, o espaço celestial. Foi a imortalidade que Paulo de Tarso ensinou na epístola aos tessaloniceneses. A parusia, a ideia revolucionária pregada por esse líder carismático sem igual na História, consistia na fusão do espaço terrestre, que subiria, com o espaço celeste, que desceria, na ocasião do segundo advento de Jesus Cristo que, na mente do apóstolo, ocorreria breve, muito breve.
Mas, a parusia demorava. Os Tessalonicenses se sentiram ludibriados. Paulo de Tarso explicou: quem morrer ressuscitará pouco antes da parusia. Afinal de contas, isso não era estranho para os gregos, participantes dos mistérios de Dioniso e Orfeu. A Terra estaria no centro do Universo. Acima da Terra achava-se o Céu, reino de Zeus e morada dos deuses, que estabelecera residência no cume do Monte Olimpo. Abaixo da Terra encontrava-se o Hades, reino de Plutão, dividido em duas regiões, os Campos Elísios, morada dos homens justos após a morte, e o Tártaro, morada dos homens maus após a morte. Essas idéias foram assimiladas pelo Cristianismo.
Mas, a religião do Gênesis é terráquea. Não se contempla a vida após a morte. A dimensão da vida é a Terra, a morada dos homens. O homem justo recebe a recompensa divina nesta vida terrena. Será cumulado de todas as bênçãos: longevidade, riqueza, higidez, vida prazerosa, fecundidade, prole numerosa. O homem perverso será objeto de todas as maldições: doença, vida breve, pobreza, vida afanosa, sofrimento, infertilidade, sem descendência. O homem da Renascença voltará a aproximar-se dessa visão dos autores do Gênesis.
Adão e Eva pecaram. O pecado introduziu o mal no mundo, a maldição de Deus. A Lei salva e condena. Curioso que, de acordo com o autor do capítulo 5 do Gênesis, Adão, que introduziu o pecado no mundo, viveu 930 anos, quase um milênio!... Essa ideia de vida milenar até nutriu a lenda cristã do Judeu Errante. Ele recusou ajudar Jesus na Via Crucis. O remorso o tornou errante milenar. Abades e até papa afirmaram que o conheceram no início do segundo milênio da Era Cristã!... A lenda conta até que ele veio para o Brasil com os holandeses de Maurício de Nassau!...
Entendo, também, que o autor desse capítulo 5 do Gênesis julgava os descendentes de Adão muito honestos: eles viveram todos quase um milênio!... Só mais tarde, o autor do capítulo 6 voltou a considerar o tabu do sexo: os filhos de Deus, os homens descendentes de Adão, voltaram a ser enfeitiçados pela beleza das filhas dos homens, isto é, desses mesmos descendentes de Adão, e se entregaram, ao que parece, a exagerada procriação... Deus não gostou e puniu-os com a redução da longevidade para 120 anos!... Curiosa discriminação: os descendentes machos de Adão são filhos de Deus, e as descendentes femininas de Adão são filhas dos homens!...
Mais intrigante ainda é a razão por que Deus expulsou Adão e Eva do jardim do Éden: “Eis que o homem se tornou como um de nós, capaz de conhecer o bem e o mal. Não vá agora estender a mão também à árvore da vida para comer dela e viver para sempre.” (Gen. 3, 22) Já vimos por que o conhecimento faz o homem igual a Deus. E isso me põe uma interrogação: por que os homens brancos de olhos azuis causam tanto incômodo a certas pessoas? Será porque acumularam toda essa vasta cultura, a greco-romana de Aristóteles e de Cícero, a medieval de Agostinho, Tomás de Aquino e Dante, a Renascentista de Erasmo de Roterdã e Petrarca, a da Era Moderna de Copérnico, Galileu, Keppler e Newton, a contemporânea das universidades, invenções, e das ciências, de Darwin, Bohr e Einstein. Pode-se imaginar que tudo isso seja nada? essas pessoas não sabem nada?... Garanto uma coisa: só quem estuda, como esses gigantes do conhecimento estudaram, é capaz de ter pensamento consistente para saber o que diz e para difundir com autoridade própria o que pensa!...
Deus tornou-se temeroso do novo Homem, o Homem do Conhecimento. Acho que nos nossos dias muitas pessoas também estão atemorizadas com o novo Homem, o Homem do Conhecimento, que está penetrando nos segredos da Vida e nos segredos do Cosmos. Ele vai, sem dúvida, estender a expectativa de Vida. Mas, e será que não surgirá também nova espécie humana? Essa possibilidade é algo bom ou algo mau? É ética ou amoral a pesquisa sobre manipulação genética? E o que será de nós, os homens da geração antiga?...

sexta-feira, 27 de março de 2009

74. Preconceitos


A sociedade é uma instituição natural, isto é, a espécie humana precisa viver em sociedade. Um indivíduo humano adulto totalmente isolado sobreviveria, é claro, por algum tempo, mas a espécie humana não sobreviveria. A vida do indivíduo humano em sociedade pode ter melhor ou pior qualidade do que a do indivíduo humano isolado. Depende do tipo de sociedade e da posição que o indivíduo ocupa em determinadas sociedades. Isso nos ensina a Filosofia, a História, a Psicologia, a Economia e a Sociologia.
Mas, viver em sociedade é uma convenção, até viver em família é convenção a partir da idade adulta. O indivíduo humano só permanece na família dos pais, porque quer. O indivíduo humano só constitui família, porque quer. Também é convenção o tipo de sociedade que um grupo de pessoas decide formar.
Já se disse que a família é a célula do organismo social. É claro, todavia, que a História e o espírito da época atual nos esclarecem que, por convenção, se podem formar muitos tipos de convivência procriativa e de relacionamento sexual. Também sabemos que, por convenção, se podem formar vários tipos de sociedade civil.
Penso que a igualdade, os cientistas sociais preferem a equidade, é a condição básica para que se forme uma sociedade civil. A igualdade é a condição básica e o bem comum, o bem-estar de todos os indivíduos, constitui o objetivo da sociedade civil. Todos os sócios têm os mesmos direitos, porque têm também os mesmos deveres.
Diferença de raça, portanto, não pode ser levada em consideração na sociedade civil. Todas as crianças, todas, devem ser preparadas para desempenharem o papel que escolherem na sociedade. Todas as crianças, portanto, têm o direito de ter uma educação de excelência. A sociedade tem o dever de dar a todas, sem exceção, brancas ou negras, organicamente normais ou excepcionais, educação de excelência.
Recordo-me de minha experiência londrina em 1971. Cheguei a Londres numa sexta-feira, à noite, para um estágio de seis meses num banco inglês. Na segunda-feira, de manhã cedo, fui ao colégio público do bairro para matricular meus dois filhos. Não houve dificuldade alguma. E ouvi do diretor da escola algumas instruções: as crianças passam o dia na escola, entram às nove horas e saem às quatro e meia (dia solar no inverno inglês), têm que aprender tudo na escola, não há dever para ser feito em casa, e na escola elas almoçam.
Na sociedade democrática, todos são iguais. Portanto, não deveria existir diferença tão grande de renda entre as pessoas. Não estou defendendo nenhuma tese comunista. Estou afirmando o que diz o mais respeitado mestre da economia de mercado dos dias de hoje, Paul Krugman: não se pode permitir que alguém abocanhe parte desmedida da renda nacional. Paul Krugman tem olhos azuis.
Assim, se os que auferem maior renda podem proporcionar aos filhos educação de excelência, o Estado deveria também manter escolas que ministrassem educação de igual qualidade, educação de excelência, às camadas da população de menor renda, preta ou branca, indistintamente. Sei que será empreendimento hercúleo. Mas, é isso que tem que ser feito. A concessão de vagas por critério racial parece-me discriminatório, injusto, preconceituoso, antidemocrático e anti-social. Não gosto dessa ideia de reparação dos males perpetrados no passado. O passado governava-se pelo espírito da época. Isso era a Humanidade naquela época. O que os brancos fizeram com os negros no passado, os árabes fizeram com os brancos na Europa ibérica e no Leste europeu. E só não existe hoje uma civilização árabe na Europa, porque a casa franca derrotou os invasores árabes no coração da Europa e os príncipes germânicos impediram, no Leste, que os árabes atravessassem o Danúbio.
Ainda hoje no continente africano etnias negras se digladiam impiedosamente, como no passado negros cooperavam com os brancos no tráfico de escravos.
O mercado financeiro, como o mercado de bens e serviço, precisa ser livre para ser eficiente. Mas, como toda a conduta humana, o banqueiro e o negociante devem agir como ser humano social, isto é, ele deve agir guiado pelo interesse próprio e os objetivos da sociedade. Isso quem o diz é o mais prestigiado economista dos dias de hoje, Paul Krugman. Quem diz isso tem olhos azuis como milhares dos mais brilhantes professores de Economia. Por isso, devem-se estabelecer limites para os negócios e, em especial, para os negócios financeiros. Já que a Ética não consegue conduzir os negociantes e banqueiros, que se use a muleta do Direito. Isso todos os homens doutos de olhos azuis afirmam. E essas normas devem, sobretudo, conferir muita transparência, para que o povo, esse o grande interessado, possa fiscalizar os negociantes, os banqueiros e os políticos.
Aliás, não foi por falta de admoestações que a crise aconteceu. Todos os estudiosos de Economia sabiam que o dia da recessão havia de chegar. E muitos, já desde 1996, e até antes, já sabiam que poderia acontecer essa catástrofe e alertaram. Não interessava aos banqueiros, não interessava aos negociantes, não interessava aos políticos dos países desenvolvidos, dos países em desenvolvimento, dos países subdesenvolvidos que se reduzisse cirurgicamente a bolha de expansão econômica. Agora, todos querem achar o culpado... assim caminha a Humanidade!
Lembrete: nenhum economista (inclusive os de olhos azuis) afirma que, estabelecidas normas de atuação dos agentes financeiros, a Humanidade nunca mais entrará em recessão! Característica do comportamento da Economia Mundial até hoje tem sido a flutuação do nível de negócios, sucessão de expansão e contração! E, ensina David Hume, a mente humana funciona esperando que aconteça no futuro o que percebe que aconteceu habitualmente no passado!... É assim que age o homem prudente, o homem inteligente. É isso que diz o melhor tipo de conhecimento que a Humanidade possui, o conhecimento científico.

quinta-feira, 26 de março de 2009

73. Prêmios Nobel de Economia


Se você for à primeira postagem deste blog, irá encontrar a minha foto, lendo o livro de texto de Economia, da autoria de Paul Samuelson, prêmio Nobel em Economia, genial divulgador da teoria econômica keynesiana. Aquela fotografia é de 1979, quando, palestrante assíduo sobre negócios de câmbio e de comércio internacional, para o público interno e externo ao Banco do Brasil, muitas vezes até em substituição a diretores, vice-presidentes e presidente do Banco, senti necessidade de aventurar-me pelo estudo dessa ciência.
Li Paul Samuelson, Milton Friedman, Galbraith, Dornbusch, Sachs, Simonsen, Celso Furtado, Carlos Lessa e até ousei aventurar-me por toda a coleção de obras clássicas, publicada pela Abril. Agora, exatamente no final da semana passada, deparo-me nas livrarias, o principal recanto de meus passeios, com a Introdução à Economia de Paul Krugman. Trinta anos decorridos, encontro-me com um esplêndido texto de ciência econômica, escrito por outro Paul genial, também prêmio Nobel de Economia no ano passado.
Logo no primeiro capítulo, a grande referência mundial hodierna em ciência econômica emplaca visão extraordinariamente fecunda e abrangente dessa ciência, diria melhor, visão humanística.
Entre os princípios básicos da ciência Econômica, ele ressalta a sua finalidade: objetivos da sociedade. O indivíduo humano age na busca de seus objetivos pessoais. Essa atividade egoísta, logo descobre que em sociedade, isto é, no mercado, ele consegue maior bem-estar, melhor qualidade de vida. Ele percebe que o bem-estar não reside apenas em possuir mais, mas em bem conviver, conviver harmoniosamente, viver numa sociedade onde todos se sintam bem. Se bem entendo, a Economia de Paul Krugman não é uma ciência autônoma. Ela é uma Economia do Homem, da Humanidade. A Economia de Paul Krugman é, sobretudo, uma economia ética. Aliás, John Maynard Keynes já afirmava que o grande desafio da sociedade consistia em compatibilizar riqueza com igualdade.
E aí se compreende por que Paul Krugman ressalta que a eficiência não pode desconhecer que a Humanidade abarca deficientes físicos que têm os seus direitos. E mais adiante ressalta que a sociedade não pode admitir que o egoísmo se transmude em cobiça ilimitada, porque esta é prejudicial à própria consecução dos objetivos da economia, que são os objetivos da sociedade. E ele, então, exige a atuação do Estado para corrigir as falhas da economia de mercado.
E é sob essa perspectiva que devemos entender o artigo de Barack Obama, ontem estampado na Internet, sobre a necessidade de regulamentação da atividade financeira mundial: “Todas as nossas instituições financeiras -em Wall Street e no mundo- precisam de uma forte supervisão e normas ditadas pelo senso comum. Todos os mercados devem ter normas de estabilidade e um mecanismo de transparência. Uma forte estrutura de exigências de capital protegerá contra as crises futuras. É preciso combater os paraísos fiscais no exterior e a lavagem de dinheiro. Normas rigorosas de transparência e responsabilidade terão de conter os abusos e os dias de remunerações absurdas devem acabar.”
Engana-se quem pensa que Barack Obama está cogitando numa economia de comando. Ele está querendo colocar limites, utilizando-se do chamado Direito Positivo, já que os princípios éticos não foram suficientemente fortes para orientar a Humanidade na direção dos objetivos da sociedade em suas recentes atividades financeiras e econômicas. É a lição de Paul Krugman, o grande economista keynesiano norte-americano.
Eu gostaria de ver muito mais. Eu sonho em ver a Humanidade de tal modo aperfeiçoada através do Conhecimento (não apenas do Conhecimento Ciência, mas inclusive do Conhecimento Sabedoria), que entenda que o egoísmo fecundo é o egoísmo social, que o meu bem não se constrói sem o bem dos outros indivíduos. Essa compreensão ousada fará que a Ciência Econômica não precise da muleta do Estado, como acontece ainda em nossos dias.
E quero concluir chamando atenção para a habitual constatação da pesquisa econômica, que parece algumas pessoas importantes teimam desconhecer aqui no Brasil. Paul Krugman esclarece que a história econômica se tece na forma de flutuações do nível de atividade econômica, entremeando-se períodos de expansão com períodos de contração. A trajetória ascendente no longo prazo resulta do fato de que a expansão felizmente vem superando a contração nos Estados Unidos e em outros países. As medidas, que as autoridades políticas mundiais certamente tomarão, contribuirão para evitar fases de contração, abreviá-las e atenuá-las. Não se acredita, porém, que as elimine de todo.

quarta-feira, 25 de março de 2009

72. A Faixa de Gaza é o Rio de Janeiro


Copacabana, 23 de março de 2009, dezenove horas, as ruas Tonelero e Santa Clara atulhadas de veículos, o tráfego paralisado. De repente, a troca de tiros entre traficantes e polícia. Cinco homens mortos e um preso. Não se tratava de uma refrega eventual, isolada. Já eram três dias de guerra entre traficantes, e entre policia e traficantes na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.
Não se trata de fato inédito e peculiar a alguma região da cidade. O Estado de Direito é contestado em todos os becos da cidade. O Estado paralelo domina pelas armas em todas as regiões da cidade.

É paralelo mesmo, em soberania e em espaço. Quem se desloca pela cidade do Rio de Janeiro não sabe se está no território da Lei ou no território da marginalidade. Todas as regiões da cidade, as cercanias do Palácio do Governador e as vizinhanças da residência do Governador, podem a qualquer momento, abruptamente, aparecerem conflagradas. Mata-se e mata-se. Morre-se e morre-se.
Infelizmente, o teatro de guerra nacional não se restringe à cidade do Rio de Janeiro. O noticiário da cidade de São Paulo denuncia o mesmo estado de beligerância. E, se ampliarmos um pouco a análise do império da marginalidade no Brasil, as notícias de desfalques e imoralidade administrativa, no âmbito da administração pública em todos os níveis, demonstram que a sociedade brasileira está enferma, o tecido social está esgarçado.
As notícias de corrupção nos três poderes da república, que nos chegam de Brasília, demonstram que a sociedade brasileira hoje é uma farsa: fingimos que temos as melhores leis do planeta, fingimos que as respeitamos, fingimos que as aplicamos e fingimos que as cumprimos. Fingem que governam e fingimos que somos governados.
E você me indagará: tem solução? Creio que sim. A polícia? Aumento da coação? Não, a meu ver. Há deputados estaduais aqui no Rio de Janeiro que basta o retrato para meter medo!... Qual a solução? O conhecimento.
Nas postagens anteriores deste blog, o amigo percebeu quanto valor atribuo ao conhecimento. Nestas últimas postagens, procurei demonstrar como, três mil, quatro mil, cinco mil anos atrás, já se percebia que o poder está em quem tem o conhecimento, que conhecer é poder, é fazer, é criar, é progredir, é relacionar-se, é agregar, é conviver. Isso afirmou Lao Tse, Buda, Jesus Cristo, Sócrates e Paulo de Tarso.
A sociedade é conseqüência do conhecimento. O conhecimento é luz que ilumina o Homem e faz o Homem bom. A grande verdade da Psicologia é que a mente é plasticidade. Os psicólogos nos falam da voz interior, da conversa mental. Sócrates dizia que ouvia uma voz interior, a voz de um deus, o daimon. Jesus Cristo falava do Espírito de Deus que adentra a mente dos humanos e os transforma. Eu falo do Conhecimento que se recebe através da Educação.
Esse conhecimento nos diz, através da Neurociência, que a conduta boa ou má é conseqüência do Universo mental que o indivíduo humano possui. Ele deve ser saudável biologicamente e também em razão de uma plasticidade bem dirigida pela aprendizagem, para que o indivíduo humano saiba conviver, possua conduta social aceitável. Se o indivíduo humano se conduz de forma marginal à sociedade é porque o Universo mental dele está deteriorado.
Mas esse Universo mental deteriorado pode ser consertado pelo Conhecimento, através da Educação, se o órgão cerebral é perfeito, ou através da Medicina, se o defeito é biológico. E Medicina é também conhecimento. É verdade, todavia, que o Conhecimento deve avançar ainda mais, para que seja mais eficiente. E, se todos fôssemos mentalmente sãos, não haveria crimes, dizia Sócrates. Também o diz, hoje, a Neurociência. Não precisaríamos de coação, de polícia. Não dependeríamos de tantas leis e de tanto Governo. Vamos nos educar. Ouçamos a voz do deserto, a de Cristovam Buarque!...

terça-feira, 24 de março de 2009

71. A Soberba e a Lascívia


O Deus da primeira versão da origem do Universo logo revelou ao Homem que ele devia procriar: “E Deus os abençoou e lhes disse: “Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei e subjugai a terra!”(Gen. 1, 28). O deus da segunda versão, porém, produziu tudo da terra, inclusive o Homem, para o Homem cultivar e guardar o jardim do Éden (Gen. 2, 15). Criou a Mulher como “auxiliar que lhe correspondesse” (Gen. 2, 20). O homem e a mulher eram caseiros de Deus. E lá adiante, no versículo 25 do mesmo capítulo, o autor esclarece: “Ambos estavam nus, o homem e a mulher, mas não se envergonhavam.”
O Homem e a Mulher eram ignorantes, não percebiam para que serviam os órgãos sexuais, não tinham libido, não copulavam, não procriavam, não eram deuses porque apenas cultivavam e guardavam o jardim do Éden, não produziam como Deus produz, não eram artífices como Deus é artífice.
E o que, um dia, eles, Homem e Mulher, primeiramente a Mulher, passaram a desconfiar? Eles entenderam que aqueles órgãos eram destinados à procriação. A serpente é a encarnação da curiosidade humana, da curiosidade feminina. Aquela conversa entre a Mulher e a serpente é o diálogo interior na mente humana de que falam os psicólogos. A curiosidade, o assombro perante a Natureza, é a mãe do conhecimento. Sócrates nos ensinou uma das poucas verdades universais, incontestes: o conhecimento é um processo perene, uma busca sem término.
E penso que a primeira e grande descoberta do Homem da segunda versão bíblica da origem do Universo residiu em descobrir o sexo. O grande pecado do Homem foi a soberba, ser como Deus, artífice, capaz de procriar tal qual Deus que tudo fazia germinar nos campos, nos rios e nos mares. Até aquele instante, o homem não conhecia o próprio corpo nem o corpo da mulher. Ele não conhecia para que serviam os órgãos genitais: “Ambos estavam nus, o homem e a mulher, mas não se envergonhavam.”(Gen. 2, 25). O intercurso sexual revelou-lhes que o Homem também produz e como é prazerosa a procriação: “Eis que o homem se tornou como um de nós, capaz de conhecer o bem e o mal.” (Gen. 3, 23)
E a partir daquele instante, o Homem passou também a acumular a sua cultura: “Abriram-se os olhos de ambos e viram que estavam nus. Teceram com folhas de figueira tangas para si.” (Gen. 3, 7)

segunda-feira, 23 de março de 2009

70. Â Âncora da Fé e a Educação


Curioso esse deus da segunda versão da origem do Universo. Ele tem muita preocupação com a conduta do Homem. Ele exige que o Homem reconheça sua dependência dele. Ele exige a submissão do Homem a sua vontade divina. Ele exige que o Homem reconheça o seu poder de comandar.
Os escritores da segunda versão revelam que a sociedade em que viviam já estava preocupada com a organização da sociedade. Aquela sociedade já havia forjado a ideia de organizar-se em torno de um poder político. E a âncora dessa organização e desse poder político era a crença, a crença em Deus, a crença na Lei divina, a lei instituída por Deus, o artífice do Universo.
A Lei divina era valor tão sublime na mente daqueles escritores que a desobediência à Lei divina dava origem a todas as desgraças próprias da vida humana, como castigo infligido pelo legislador divino: o sofrimento, a dor, as intempéries, as catástrofes meteorológicas, a escassez de alimentos, a fadiga do trabalho, a doença e a própria morte. A ilegalidade, o crime, é a origem do mal, do infortúnio humano, da infelicidade. Esse pensamento vai ser o vínculo de coesão que Moisés, o fundador da nação israelita, segundo a Bíblia, vai conseguir instilar nas mentes dos liderados. Essa ideia acompanha as diversas religiões na caminhada histórica da Humanidade.
A Lei divina significava que o poder político fora empolgado pela classe sacerdotal. Os sacerdotes detinham o poder de conduzir o aglomerado humano a seu bel prazer, segundo os seus interesses.
E, assim, me explico outra passagem intrigante da narrativa dessa versão do mito: a preocupação do Deus com a ameaçadora competição humana: "Eis que o homem se tornou como um de nós, capaz de conhecer o bem e o mal. Não vá agora estender a mão também à árvore da vida para comer dela e viver para sempre." (Gen. 3, 22). Incrível! O Homem pode tornar-se Deus! O Homem já é também Deus!...
À classe sacerdotal não interessava que a população progredisse em conhecimento, pois percebia que se esta fosse capaz de discernir autonomamente o que lhe interessava, o bem, e o que não lhe interessava, o mal, ela, a classe sacerdotal, perderia a sua razão de ser e os seus privilégios. Por isso, a proibição divina se concentrou na interdição ao uso do fruto da árvore do conhecimento.
Acho essa lição extraordinariamente moderna. É a educação, é o conhecimento que faz o indivíduo humano livre. Quanto mais esclarecido o indivíduo humano, mais social, mais civilizado, mais urbano, mais sabe entender as diferenças, mais sabe conviver, menos guerra, menos desentendimentos, menos animosidade, de menos lei precisa. A necessidade de comando, de poder político se atenua consequentemente.

domingo, 22 de março de 2009

69. O Dia em Que Alexandre Magno Amarelou...


Na segunda versão do início do Universo, no Gênesis, Deus é um artífice. Ele planta um jardim no Éden, que o autor localiza claramente no atual Iraque, entre os rios Eufrates e Tigre, na Mesopotâmia. De permeio com a descrição da produção do Universo e da Humanidade, o escritor narra a origem do mal. No versículo 9 do capítulo 2, ele informa que Deus plantou a Árvore da Vida no centro do jardim e diz também que fez brotar no jardim a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, sem lhe indicar o local exato.
Parece-me claro que sejam duas árvores diferentes, porque, no versículo 22 do capítulo 3, Deus demonstra preocupação nos seguintes termos: "Eis que o homem se tornou como um de nós, capaz de conhecer o bem e o mal. Não vá agora estender a mão também à árvore da vida para comer dela e viver para sempre." Parece-me claro também que Deus plantara a árvore da vida no centro do jardim, porque está declarado no versículo 9 do capítulo 2.
Mas, a árvore do conhecimento do bem e do mal, estaria ela também plantada no centro do jardim? Acho que os versículos 16 e 17, que expressam a ordem divina, confirma o versículo 9, indicando que a árvore do conhecimento não foi plantada no centro do jardim: "Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não deves comer, porque no dia em que o fizeres serás condenado a morrer." Aí, pois, exatamente na proibição nada de referência ao centro do jardim: a árvore do conhecimento do bem e do mal não se achava no centro do jardim.
Intrigante é que não é essa a ordem que a mulher diz terem o homem e ela recebido: "Do fruto das árvores do jardim, podemos comer. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus nos disse “não comais dele nem sequer o toqueis, do contrário morrereis." Estes versículos 2 e 3 do capítulo 3 não correspondem totalmente àqueles versículos 16 e 17. O homem e a mulher comeram o fruto da árvore que estava plantada no centro do jardim diz o versículo 6 deste capítulo 3. E ficaram conhecendo o bem e o mal, tanto que Deus descobriu, por isso, que eles haviam desobedecido a sua ordem: "Então comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer?" (Gen 3, 11) No entanto, a conseqüência da desobediência não foi a morte anunciada por Deus, mas o conhecimento do bem e do mal revelado pela serpente. Teria Deus tentado enganá-los com a finalidade de intimidá-los? Artifício esdrúxulo para um deus!... Mais, se eles, homem e mulher, de fato comeram o fruto da árvore plantada no centro do jardim, deveriam ter alcançado a imortalidade, como revela o versículo 22 do capitulo 3: "Não vá agora estender a mão também à árvore da vida para comer dela e viver para sempre."
Fica evidente que também esse relato da desobediência do primeiro casal humano é um mito, construído por muitos autores, que não souberam alinhavar uma história conseqüente. Eles não foram suficientemente competentes para produzir um relato consistente ou, pelo menos, não tiveram preocupação com coerência.
Delicioso é constatar que um deles deixou-se levar pelo bairrismo e colocou o Éden e o Jardim na Mesopotâmia. Essa lenda mostra traços fortes de origem ou influência das terras da Mesopotâmia, da cultura assíria ou babilônica ou sumeriana.
O Gênesis conferiu o lugar preciso ao Éden, na Mesopotâmia. Os mapas cristãos reconheceu-lhes o local, na extremidade leste do mapa da Terra. À medida que os descobridores ampliavam o conhecimento do planeta, os geógrafos foram deslocando o Éden. Ele passou para o Pólo Norte. Foi para uma ilha longínqua, situada ao oeste do Oceano Atlântico. Colombo suspeitou que estivesse localizado na Venezuela, porque ficara impressionado com a quantidade de água existente naquela região. A lenda narra que Alexandre, o Magno, parou às portas da região da China em suas conquistas, porque lá encontrou uma muralha de fogo tal que subia da Terra ao Céu, impedindo-o de avançar e penetrar no Éden bíblico. Alexandre Magno amarelou, ao menos uma vez...

sábado, 21 de março de 2009

68. No Princípio Era o Verbo


O autor do chamado quarto evangelho, judeu helênico de Éfeso, cidade cosmopolita na virada do século I EC, quando o livro deve ter sido escrito, referia-se ao início do Gênesis, quando escreveu o versículo 1 do capítulo 1 da sua obra: "No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus."
O Gênesis é o primeiro livro do Tora, o livro sagrado dos judeus, ou do Pentateuco, os cinco primeiros livros do Antigo Testamento dos cristãos. O Gênesis contém a narração do início do Universo e do Homem, da origem do mal e da aliança que Deus se comprazeu em pactuar com o povo de Israel.
Penso que os livros sagrados dos israelitas e dos cristãos não são livros que possam ser cientificamente rotulados de históricos. Eles não satisfazem as exigências das normas da história científica. Eles são livros de crença. São expressão da fé de israelitas e cristãos. Nada obstante isso, eles se conectam muitas vezes a fatos históricos. Mas, quem os redigiu não tinha preocupação de elaborar uma narração fidedigna dos acontecimentos. Eles se referiam a esses fatos sob a perspectiva de sua crença. E era essa perspectiva da crença que de fato lhes interessava.
Os cientistas costumam, por isso, referir-se a essas narrativas como mitos, fábulas, fabulações, isto é, construções subjetivas de mentes que construíram uma narrativa, que une de tal modo o real e o imaginário, que torna difícil ou mesmo impossível separá-los, ou são simplesmente construções mentais fantasiosas. Minha intenção é expor aqui algumas reflexões sobre a composição desses livros.
As minhas reflexões nada interferem na crença das pessoas. Uma pessoa não crê em determinadas coisas porque elas são lógicas e racionais. Se elas crêem, porque são racionais, elas não têm fé, elas são filósofas. As pessoas religiosas crêem em determinadas coisas por um único motivo, a saber, elas são revelações de Deus.
Admite-se que ali, logo no início do Gênesis, existam duas narrativas diferentes do início do Universo. A primeira compreende todo o capítulo 1 e os quatro primeiros versículos do capítulo 2. A segunda se estende pelo restante do capítulo 2.
Na primeira versão, Deus é um mágico: ele cria todas as coisas, como um mágico, simplesmente utilizando a palavra ou o pensamento, faça-se. No meu entendimento, é a esse Faça-se que o evangelista se reporta. Deus é o Faça-se. Na minha infância, aprendi com os sacerdotes que Deus é espírito e criou o Homem à sua imagem, porque infundiu no corpo uma alma espiritual. Acho que não é isso que está dito ali no início do Gênesis. Ali, a meu ver, diz-se o que o evangelista entendeu: Deus é o Faça-se, é o poder de criação, o ímpeto criativo, a energia criativa, o processo criativo, o devir.
E mais adiante, no versículo 27 do capítulo 1 do Gênesis, o autor revela o que ele pensa ser Deus e por que o Homem é macho e fêmea: "Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, macho e fêmea ele os criou." Deus é macho e fêmea. O Homem é macho e fêmea. O que caracteriza Deus é o ímpeto procriador, a energia criativa, o mistério da atividade do macho e da fêmea, o Faça-se, o devir. Deus é o processo de transformação que tudo gera, que inventa e assume todas as formas da Natureza. Deus é o Universo.
Impressionante que formulação semelhante vai-se encontrar nos livros religiosos da cultura hindu. O Hino da Criação no Rig Veda fala emotivamente do Único Um: "Nem Alguma Coisa, nem Nada existia...O Único Um respirava sem fôlego por si mesmo. Outro além dele nunca havia sido... O germe que ainda jazia coberto pela casca irrompe do fervente calor. Então vem sobre ele o amor, a nova fonte do conhecimento – sim, poetas em seu coração discerniram esse salto entre as coisas criadas e não criadas. Vem esta faísca da terra, tudo atravessando, ou vem do céu? Então as sementes foram semeadas, e poderosas forças surgiram... Quem sabe o segredo?...De onde, de onde esta múltipla criação procede? Os próprios deuses vieram depois... O Altíssimo Vidente, que está no mais alto céu, ele o sabe – ou talvez nem mesmo ele."
A respeito desse Único Um esclarece um dos Upanishads: "Na verdade ele não tinha prazer. Um só não tinha prazer. Ele desejou um segundo. Ele era, na realidade tão grande como uma mulher e um homem abraçados..." Ele sabia: eu realmente sou esta criação, porque eu emiti tudo de mim mesmo. O Único um, na realidade, resultava do portentoso abraço de amor de um macho e uma fêmea. E esse portentoso abraço de amor tudo produziu, até os deuses. Deus é a repulsa da solidão. Nem Deus suporta a solidão!... A felicidade reside na convivência, na harmonia amorosa. O Único Um é o ímpeto de reproduzir, o desejo de multiplicar-se, o processo da transformação, o devir, a paixão pela convivência, o desejo da convivência, a paixão de amar, a palavra criadora, a convivência do Amor.
E o Único dos Upanishads nos conduz, dessa forma, ao Tao do I Ching dos chineses. Só existe o Tao, o perpétuo fluxo, o devir, o processo de transformação marcado pelo eterno ciclo entre os opostos: Yang, o macho,e Yin, a fêmea. O Tao é o fluxo cíclico das coisas, oscilando entre os extremos opostos Yang (o macho, o Céu, o sol, o dia, etc.) e Yin (a fêmea, a Terra, a lua, a noite, etc.), em cuja harmonia reside o bem, a felicidade. A felicidade não consiste apenas no Yang, nem apenas no Yin. A felicidade é resultante do equilíbrio entre o Yang e o Yin, ela é Amor, Amizade. Ela é convivência. Ela é cidade. Ela é civilização. O homem civilizado é o homem urbano.
E não resisto a outra ilação que o movimento espontâneo da mente insiste em fazer. No famoso diálogo Críton de Platão, onde Sócrates debate com o amigo Críton a recusa à fuga para livrar-se da pena de morte, o portentoso filósofo declara que à cidade, ao grupo social, deve o que é: "Então, após dever-nos o nascimento, o sustento e a educação, terás a petulância de argumentar que não és nosso filho e servidor, da mesma maneira que teus pais?... Porventura tua sabedoria te faz desconhecer que a pátria é mais digna de respeito e veneração entre os deuses e os homens que um pai, que uma mãe e que todos os parentes juntos?"
Também na cultura grega vamos encontrar Heráclito afirmando que só o devir existe, o perpétuo fluxo, o perpétuo processo de começar e findar, nascer e morrer. Interessante que a ciência moderna contém entre seus achados mais fundamentais o famoso princípio da conservação da massa: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma." E Charles Darwin veio nos revelar que o devir vem, ao longo das eras, criando novas formas de vida num processo de ajustamento ao meio ambiente, de harmonização com o ambiente, que nos lembra a convivência harmoniosa preconizada no Gênesis, nos Upanishads e no I Ching.
E as duas físicas do século XX, a Cosmológica e a Quântica, nos dizem que o Universo é um processo gigantesco de transformação, movido por forças opostas de expansão e de contração, que teve início em condições de dimensões infinitas, isto é, fora do alcance das condições atuais do conhecimento humano, que podem ser tentativamente designadas pelo nome de Big Bang, a Grande Explosão. Rigorosamente falando, não existe o antes do Big Bang, porque ali surgiu a matéria e a energia, ali surgiu o espaço e o tempo, porque tempo e espaço são características da matéria e da energia. O Universo é espaço-tempo em perpétua expansão e contração, em perpétua transformação. Assim, na medida em que o Universo nasceu com o Big Bang, em que o antes do Big Bang não existe, o Universo é eterno, ele é o próprio tempo. E, como na intuição do Tao do I Ching, o Universo só existe na medida em que é equilíbrio entre as forças de atração e expansão!
A lição básica que nos lega a Cosmologia contemporânea é que só subsiste aquilo que no momento atual do devir está adaptado às circunstâncias existentes. Nós Homens somos os organismos vivos mais bem adaptados às condições ambientais proporcionadas pelo sistema solar. O Universo é um vasto e portentoso abraço de Amor. Todas as formas, todas as coisas, inclusive o Homem, são criadas pelo Verbo original, o Faça-se, a palavra portentosa e procriadora emitida pelo Amor.

sexta-feira, 20 de março de 2009

67. A Lei da Atração (conclusão)


Amigos, isso é a minha visão sobre o assunto. Entendam bem: a minha visão. A minha mente (pensamento, sentimento, emoção, paixão e interesse) não é igual à sua. A minha mente tem coisas que a sua não tem. E a sua mente tem coisas que a minha mente não tem. A minha mente tem o Piauí e o seminário dos jesuítas. A sua mente tem outra cidade natal, outro país, outros pais. A minha mente é aquele cérebro, que principiou a formar-se no seio de minha mãe, e mais todos os trilhões de experiências ao longo da minha vida, a grande maioria das quais nem me lembro. A sua mente é aquele cérebro, que principiou a formar-se no seio de sua mãe, e mais todos os trilhões de experiências ao longo de sua vida, a grande maioria das quais nem se lembra você. O Universo físico é um só. Mas, o Universo que eu conheço é o Universo que existe em mim, captado pela minha mente tão diferente da sua. E o Universo que você conhece é o Universo que existe em você, captado por sua mente tão diferente da minha. O Universo que eu conheço, esse é o Universo que existe para mim. Eu digo para todo mundo: esse é o Universo que existe. O Universo que você conhece, esse é o Universo que existe para você. E você afirma: esse é o Universo que existe. Por isso, nós os homens divergimos tanto e não nos entendemos. Só os sábios são capazes de se entenderem, porque eles compreendem que há tantos Universos quantas pessoas existem. Sabem que, por isso, os homens são tão diferentes e não podem se entender facilmente. O entendimento, convivência pacífica, é resultado de um esforço mútuo por entender os Universos diferentes, relegar as enormes e inúmeras diferenças, para concentrar-se simplesmente no que esses Universos podem ter de comum, naquilo em que eles se imbricam.

quinta-feira, 19 de março de 2009

66. A Lei da Atração (continuação)


O segredo é a lei da atração. O Universo é baseado em atração.

O Universo é baseado na lei da atração e da repulsão, segundo a física clássica e a física quântica. Não apenas na lei da atração. O magnetismo é atração. A eletricidade é atração e repulsão. Ambos são energia eletromagnética. Aliás, todos os tipos de energia são da mesma natureza. Todos são ondas e partículas, ou partícula-onda. Até, a luz, essa energia que se diz não ter massa, não ter peso, é partícula-onda. O elétron é partícula-onda. O próton é partícula-onda. Somente a estranha energia gravitacional ainda não foi equiparada aos demais três tipos de energia existentes. A gravidade é uma força de ação imediata: seus efeitos surgem imediatamente, não necessitam de tempo para aparecer, como no caso dos outros três tipos de energia, postas as massas e imediatamente surge a atração da gravidade. A ciência suspeita da existência de grávitrons, partículas de energia gravitacional, sem que tenha havido sucesso em captá-las por experimentos. Mas, um dos objetivos dos estudos da Física atualmente é conseguir unificar os quatro tipos de energia.
Como se vê, essas denominações de energia, massa, partícula, onda, partícula-onda, são formas como nós homens tentamos entender o Universo. São produtos resultantes das atividades do objeto e do sujeito, da natureza e do homem, da coisa e da mente. Não é exatamente o que a coisa é. É a coisa como nós percebemos e entendemos, ou tentamos entender. Já é a coisa externa transformada pelo que nós somos, pela nossa mente, o instrumento que temos para nos relacionar com o exterior e sobreviver.
Vejamos resumidamente como conhecemos. O principal órgão sensorial do homem é o da visão. A visão só vê durante o dia. À noite nada vê. Por quê? Por que a visão só é estimulada pela luz refletida pelos objetos. A visão é um fenômeno interior ao indivíduo humano, provocado por apenas um dos muitos tipos de radiação eletromagnética. A energia luminosa entra no ser humano pelos olhos e as células apropriadas dos olhos a transformam em energia eletroquímica analógica. As ramificações nervosas transformam essa energia eletroquímica analógica em energia eletroquímica digital. Essa corrente de energia eletroquímica digital, que funciona como sinais diversificados, percorre os canais nervosos, passa por uma central nervosa, o tálamo, que a envia para células nervosas específicas que se situam no lobo occipital (a parte traseira) do cérebro. Aí, milhões de células nervosas reúnem esses sinais digitais e transformam-nos em uma paisagem, que é a visão. A corrente eletroquímica, portanto, provoca uma reação, uma resposta, que é a imagem sensorial visual no cérebro, que se contempla como a própria coisa, o próprio objeto. E a pessoa diz: eu estou vendo Copacabana! E eu pergunto: por que vendo Copacabana e, não, estou construindo Copacabana? Simplesmente porque eu tenho a experiência sensorial de que essa construção é provocada por algo exterior a mim e porque essa construção é semelhante para a grande maioria de todos que experimentam a mesma sensação de visão. É muito semelhante, mas não é precisamente idêntica. Essa sensação, diz o senso comum, foi comandada de fora. Mas, ela foi, em grande parte, construída pelo nosso aparelho de visão. Isso que vemos não é precisamente o que está lá fora. A realidade, o que está lá fora, foi transformada pelo nosso aparelho de visão. E até que ponto foi ela transformada? Isso cabe à Ciência discernir.
E o que é que veio de fora e entrou pelos nossos olhos? Dizem os cientistas que a radiação luminosa, um dos muitos tipos de energia eletromagnética. E o que é essa energia eletromagnética? A ciência diz que é uma onda que se propaga pelo espaço. Mas, no espaço existem muitas regiões que têm vácuo. Como pode formar-se essa onda, se no vácuo não existe água nem ar? Nele não existe um meio que forme essa onda e nele se propague. Os cientistas, antes de Einstein, diziam que o vácuo continha o éter. Nem eles sabiam o que era o éter. O éter tinha que existir simplesmente para explicar a propagação das ondas eletromagnéticas luminosas a 300 mil quilômetros por segundo no vácuo. Einstein simplesmente disse que onda é onda, isto é, onda se propaga porque é onda (isto é, uma perturbação, um desequilíbrio, uma oscilação. Mas, perturbação de quê?). Onda não precisa de meio, como água e ar, para ser onda nem para propagar-se. Assim, a Copacabana que eu vejo (água, montanhas, areia, vegetação, barcos, edifícios, calçadão, Avenida Atlântica, pessoas, carros e firmamento) é um fenômeno mental, estimulado, segundo a ciência, por ondas eletromagnéticas, um fenômeno algo misterioso até para os cientistas, refletidas por coisas que os cientistas afirmam ser aglomerados de partículas-ondas. E isso seria Copacabana, fora de mim, conglomerados de partículas-ondas, interagindo de forma regular e prodigiosa, e radiação eletromagnética. A Copacabana, que está na minha mente, eu sei exatamente o que é: são todas as sensações que ela me provoca. E a Copacabana que está fora de mim? O que ela é exatamente? Eu sei o que a Ciência diz que ela é. Mas, a Ciência é apenas um modo de conhecer, o modo mais perfeito de conhecer, porque baseado no experimento, e o mais preciso, porque tem a precisão matemática. A Ciência pode mudar e ela muda. E o próprio conhecimento é transformação, é um produto da ação da dupla sujeito-objeto.
Os organismos, plantas e animais assimilam e excretam. A respiração é aglutinação e eliminação. A atração e a repulsão, as duas juntas, são as forças que produzem e constituem o Universo onde vivemos. O Universo é o que é, não apenas em razão da energia positiva. No momento atual, a força expansionista do Universo vai superando a energia da atração (gravitacional) que formou os trilhões de trilhões de astros e galáxias que o compõem. Alguns cientistas afirmam que, ao fim, a força de atração suplantará a da expansão. Mas, para Einstein, nem existe a força de gravitação como uma força de atração, inerente à massa dos corpos existentes. A força gravitacional, segundo ele, apenas curva o ambiente que cerca um corpo.
Energia positiva e energia negativa são meras denominações da Ciência Física, em razão dos cálculos matemáticos necessários (como no modelo de geometria analítica) para se obter a precisão exigida pelo conhecimento científico. São meras formas humanas férteis da percepção da realidade. Essa denominação não tem nenhuma conotação de ordem moral: não existe uma energia boa e outra energia má, ambas são coisas físicas que podem ser bem ou mal usadas pelo homem. Curioso que a energia positiva tanto atrai como repele, no estudo do eletromagnetismo: corpos com a mesma carga se repelem, corpos com carga contrária se atraem. A energia positiva atrai a energia negativa, enquanto energia positiva repele energia positiva, e energia negativa repele energia negativa.
No mundo psicológico e no mundo moral, também precisamos da atração e da repulsão. A atração e a repulsão são formas instintivas de percepção necessárias para a sobrevivência do indivíduo. Sem a repulsão não fugimos nem nos defendemos do que nos faz mal, não sobrevivemos. Os sistemas endócrinos e imunológicos têm importantíssimo papel na sobrevivência do indivíduo, sistemas de alerta, de defesa, de fuga e de repulsa. Lá, no interior do cérebro, no sistema límbico, existe a amígdala, o órgão da raiva e do medo, ali posta pela natureza para se ter coragem de atacar, quando a necessidade de sobrevivência individual exigir a atitude do ataque, ou esperteza para fugir quando a fuga for a melhor defesa da vida. Quando os níveis de dopamina e serotonina são baixos, os indivíduos entram em estado de profunda depressão. Nesses casos, a cura se obtém com medicamentos que restabelecem os níveis normais desses neurotransmissores.
Por certo, que o sucesso individual reside no conjunto de qualidades, que dotam o indivíduo humano com personalidade ajustada para o hercúleo empreendimento, que é uma vida de realizações para o bem próprio, da família e da sociedade. Esse sucesso não se obtém através de uma energia que simplesmente atraia tudo o que constitui o sucesso. O sucesso é fruto de duas forças, a constituição física e mental doada pela natureza (a hereditariedade) e a cultura individual (a longa experiência vivencial do indivíduo). O sucesso exige inteligência, conhecimento, ambição, competência, disposição, planejamento, determinação, idealismo e realismo, capacidade de convivência, liderança e trabalho constante e ingente. O sucesso se conquista, não se atrai.
(continua)

quarta-feira, 18 de março de 2009

65. A Lei da Atração


O Homem é a medida de todas as coisas.
Protágoras
Uma grande verdade é aquela cujo contrário é outra grande verdade.
Niels Bohr
A teoria da eletrodinâmica quântica descreve a natureza como absurda, do ponto de vista do senso comum. Por isso espero que possam aceitar a Natureza como Ela é: absurda.
Richard Feynman
Vejo bebês chorando e crianças crescendo,
eles aprenderão muito mais do que eu nunca saberei.
E penso comigo mesmo: que mundo tão maravilhoso!
Louis Amstrong
... o mundo existe independentemente de minhas tentativas de interpretá-lo, embora eu só consiga conhecer o mundo por intermédio de meus próprios órgãos dos sentidos e dos modelos que estes ajudam a construir dentro de minha própria cabeça.
Steven Rose
Eu sou eu e minha circunstância.
Ortega y Gasset

Vamos agora, nesta parte final de nossa reflexão sobre a mensagem eletrônica, examinar algumas assertivas ali contidas.

Você pode ser, ter, fazer qualquer coisa que quiser. Todos nós funcionamos com um poder infinito.

Não me parece verdade. Uma das realidades físicas, biológicas e psicológicas é que o indivíduo humano e o Homem Moderno (a espécie humana) são limitados.
Temos limitações físicas. A espécie humana é frágil perante uma imensidão de outras espécies animais, até diante de microorganismos que destroem o nosso corpo. Ela é limitada frente ao poder da Natureza, das tempestades, dos ciclones, dos tsunami, dos terremotos, dos vulcões e das secas. A Terra é finita. A Terra é um planeta ameaçado. Há as ameaças externas, como os cometas, os buracos negros e até o princípio de conservação da energia. Nada no mundo é eterno. Os indivíduos humanos são ameaçados pelos próprios indivíduos humanos e até pela própria sociedade e pelo próprio Estado. A Humanidade é ameaçada pelo próprio excesso de indivíduos e pela sua própria atividade (o problema do desenvolvimento sustentável, da preservação do meio-ambiente). Por isso, nós procuramos alcançar o mínimo de insegurança, de mil maneiras, até criando todo tipo de divindade.
Temos limitações biológicas. Cada ser humano tem a sua constituição herdada na concepção. Cada indivíduo nasce programado pelo seu DNA, pela qualidade de cada um de seus genes. Por isso, alguns nascem anencéfalos, outros cegos, outros surdos, outros paralíticos, outros retardados. É verdade que a plasticidade do sistema nervoso proporciona a autoconstrução de cada indivíduo ao longo da existência, desde a concepção até a morte. Mas, essa mesma autoconstrução tem sua limitação, a limitação do passado, a limitação do tempo em que se processa, a limitação das circunstâncias presentes, muitas delas independentes de nossa vontade, de modo que a cada instante se impõem a limitação da capacidade biológica de cada um e a realização limitada de cada um. Todos somos sistemas orgânicos diferentes, com sistema endócrino diferente, sobretudo com sistema nervoso diferente, e, até por isso mesmo somos limitados, porque somos diferentes.
Temos limitações psicológicas. Cada um tem sua capacidade própria de desenvolvimento. Maquiavel disse que cada um tem sua virtù. Os psicólogos conhecem mil tipos de incapacidade: incapacidade para ler, incapacidade para entender, incapacidade para ter regras morais. Alguns psicólogos afirmam que 15% dos indivíduos humanos nascem incapacitados para a vida social. Muitos são, desde o nascimento, vocacionados claramente para determinadas profissões: músicos, pintores, escultores, literatos, filósofos, mecânicos, policiais, políticos. A neurociência ensina que, sem utilização na lactância e na infância, os neurônios da musicalidade e da alfabetização definham, produzindo a inaptidão para a profissão musical no primeiro caso e, no segundo, a brutalidade. Diz também seriamente, embora eu o cite simplesmente por humor, que os seres humanos possuem um simples neurônio, à altura do ouvido, que é específico para sensibilizar-se com a sensualidade da voz feminina! Perdido ele, o indivíduo humano não pode ser conquistado pela voz feminina.
A verdade é que determinadas pessoas nascem com um tal moral (força de ânimo, força de vontade, determinação, obstinação), ou o adquirem na experiência existencial, que as pode levar a alcançar objetivos muito superiores àqueles para os quais parecem estar destinados. Foi o caso de Einstein. A família, quando ele concluiu o curso médio, perguntou ao professor que profissão achava o rapaz teria aptidões para praticar. O professor respondeu: nenhuma. O professor achava que Einstein deveria contentar-se em ser carteiro, gari ou coisa que tal. Devemos ter objetivos elevados na vida. Devemos ter ambição, obstinação e muita disposição para realiza-los. Mas, devemos saber os objetivos que estão e os que não estão ao nosso alcance. Do contrário, seremos muito infelizes.
Por fim, a grande orientação: nós somos apenas o animal melhor adaptado ao meio ambiente terráqueo e sobreviveremos apenas, homens como somos hoje, no nicho ecológico que não seja muito afastado da normalidade das condições de vida proporcionadas pela Terra. A Terra, nas condições de normalidade, é o nosso limite mais amplo. Nossa genética e nossa história de vida são nossos limites individuais.
(continua)

terça-feira, 17 de março de 2009

64. A Âncora Social de Lagash


Segundo Will Durant, a civilização sumeriana é a mais antiga civilização da História. Entende-se por História a reconstituição possível dos acontecimentos passados de sociedades humanas, através dos documentos escritos que chegaram até nós. A História é a compreensão, que podemos formar, a respeito da existência de nossos antepassados, através das mensagens que eles nos legaram. Todo documento escrito é uma mensagem para o curto ou para o longo prazo. A palavra sonora é a mensagem do instante presente. A palavra escrita contém sempre em si o sentido do alongamento do tempo. É uma mensagem para o presente que se quer prolongada para o futuro, ou é simplesmente uma mensagem para o futuro. Os sumerianos deixaram as suas mensagens para a posteridade gravadas em tijolos de barro.
Encanta-me saber, através de Will Durant, que o rei Urukagina, da cidade-estado Lagash, se orgulhava de governar uma população livre, onde a lei não permitia a exploração do pobre pelo rico, nem da população pelos sacerdotes. Teria sido o primeiro rei a desonerar certas atividades de tributo. Não tolerava que os sacerdotes extorquissem os bens, nem os taxassem, nem invadissem as propriedades de mães de família pobres. Afirma aquele historiador que as leis de Urukagina compõem o mais antigo, sucinto e justo código de leis da História. Teria sido o primeiro lampejo de uma sociedade organizada num espírito de liberdade e igualdade.
Esse rei conquistou um nome imorredouro e memorável na História, em virtude exatamente disso porque, apesar da limitação da cultura humana naquela época, ele possuía a percepção excepcional de uma sociedade humana, de uma cidade: um lugar de convivência pacífica, útil e agradável. Não pode ser outra. A cidade não pode ser uma rinha. A cidade não pode ser coesa pela coação. A argamassa da sociedade consiste, no mínimo, no respeito mútuo, se não puder atingir a valorização do outro. A coação é sinal da destruição da convivência. É a confissão da tensão social. É tentativa de anular a força de desagregação que se sabe existir. A coação é a confissão da insociabilidade, da desunião.
A preocupação desse rei com as mães de família e as viúvas, naquela época do albor da civilização, quando sou obrigado a compará-la com o tratamento que a Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, cinco mil anos decorridos de História e de Civilização, dá às viúvas dos funcionários, provoca-me profundo sentimento de inconformismo com essa manifestação de insensibilidade humana, para dizer o mínimo. Não posso admitir que, em pleno século XXI, depois do século do Estado do Bem-Estar Social, se concorde com essa deprimente situação vexatória onde se lançam tantas viúvas indefesas, quando a Previ detém recursos para remediá-la, e até para outras finalidades que não parecem tão condizentes com a natureza do Fundo, como a de acrescer os lucros do Banco do Brasil e do Governo.
Mas, não é propriamente isso que quero ressaltar nesta reflexão. O que me interessa agora é focar na fonte de onde surge esse lampejo maravilhoso de compreensão da sociedade humana. Séculos depois, outro rei de Lagash, Gudea, promotor da religião, da literatura e das artes, repetiu, segundo Will Durant, aquele governo de elevado sentido social para época, promovendo o entendimento e certa igualdade entre os cidadãos: “durante sete anos a serva era igual à ama, o escravo caminhava lado a lado do senhor e em minha cidade o fraco descansava junto ao forte.”
Naquela época, a âncora da organização social era o rei. Na mente daqueles reis de Lagash, a cidade deveria ser um espaço de entendimento, de convivência pacífica, de bem-estar geral. Na mente do rei o principal foco de insatisfação residiria na exploração dos pobres pelos ricos, dos fracos pelos poderosos. A lei foi promulgada para exterminar o foco de uma desagregação social, caso tentasse estabelecer-se. A lei era o meio de realizar o projeto social que existia na mente real. A âncora do memorável projeto social dos reis de Lagash era a mente maravilhosamente, misteriosamente embebida em sentimentos de Humanidade daqueles reis sumerianos. Aquelas mentes parecem que constituíram ilhas resplendorosas de compreensão humana e social.

segunda-feira, 16 de março de 2009

63. Exercício PREVI 2008


1. Os colegas que administraram a Previ no exercício passado de 2008 merecem aplauso. Os resultados adversos são conseqüência, sobretudo, das circunstâncias adversas dos negócios. Assim como no passado, e aqui, nesta mesma AABB, eu e outros colegas afirmamos, os resultados favoráveis foram produzidos, sobretudo, pelas circunstâncias favoráveis dos negócios. Nada obstante, só alcançamos estes resultados escassamente significativos que se nos apresentam, porque os nossos colegas foram competentes e eticamente corretos.
2. Há meses recebi uma mensagem eletrônica, onde se informava que os diretores eleitos da Previ se haviam manifestado contra a norma diretiva do órgão do governo, que dita as diretrizes de atuação das diretorias dos fundos de pensão privada complementar, que determinava a transferência de resultados superavitários da Previ para o Banco do Brasil.
3. Quero, neste instante, pelos dois motivos que supracitei, prestar um tributo de homenagem à boa administração e à coragem de manifestar-se contra o que considero erro ético e jurídico, que esbulha idosos, até centenários, e viúvas.
4. Não posso deixar de manifestar os meus mais efusivos aplausos à iniciativa dessa Diretoria da Previ de ouvir os associados do Previ Futuro sobre o modelo de aplicação dos recursos desse plano no mercado, como li, há poucos dias, no site da Previ.
5. Permitam-me agora, aproveitar esta oportunidade pública e única no ano, para manifestar-me, expondo certos inconformismos e justificando-os.
6. Há duzentos anos, houve no mundo a maior revolução no que toca a governo de nação, de sociedade humana, de aglomerados humanos: a Revolução Norte-americana proporcionou o governo de uma nação sem rei, sem presidente e sem primeiro-ministro. Era tão bom que só durou um ano: o conluio dos comerciantes, industriais, banqueiros, grandes e pequenos agricultores e dos desbravadores do Oeste destruíram esse sonho. Assim, até para dar o primeiro impulso em direção à verdadeira democracia (não é a democracia que é boa? Então sejamos coerentes e sinceros, façamos a verdadeira democracia), não quero presidente, nem diretores, nem representantes na organização da Previ, nem quero comando. Quero delegados. Naquela consulta aos associados da Previ Futuro, a diretoria está procedendo como delegados.
7. Para começar quero elaborar os Estatutos da Previ. A Previ não é associação dos funcionários? Quem deve elaborar os Estatutos e as normas da Previ é o conjunto de todos os associados. Impossível? Não. É assim até em muitas pequenas cidades norte-americanas e suíças. Quero que os papeis se invertam: os associados mandarão na Previ e não o Banco do Brasil e o Governo, até interventores do Governo. Nós autodeterminamos, e BB e Governo nos fiscalizam. Não, como agora, BB e Governo mandam na Previ e nós nem fiscalizamos, porque temos que discordar nos tribunais, e os tribunais nos julgam segundo os contratos constitutivos, elaborados à luz dos interesses do BB e do Governo. Precisamos do BB e do Governo, mas como fiscais, não como tiranos, nem como senhores, nem como reis. Thomas Jefferson entendia que os presidentes, democraticamente eleitos e para períodos de governo, são reis temporários. Mais, não teremos diretores nem representantes. Teremos delegados, e delegados apenas aplicam as Leis que os delegantes elaboram. Impossível? Não, assim foi na Grécia de Péricles, há dois mil e quatrocentos anos, e assim é em muitas pequenas cidades norte-americanas e suíças nos tempos modernos. E isso é viável nos tempos modernos das telecomunicações e informática.
8. Mude-se a característica da direção da Previ de representantes para delegados. A representação foi o grande erro da democracia norte-americana, da democracia moderna. E foi a farsa que se seguiu à Revolução Francesa: a burguesia (comerciantes, industriais, advogados e filósofos) eliminou o Terceiro Estado (o povo) e instituiu a oligarquia dos representantes. Os representantes fazem as leis (veja agora mesmo no Congresso nacional o projeto de lei sobre “a prisão especial”), não o povo. A Constituição Brasileira contempla o plebiscito. Para quantos e para quais plebiscitos o povo foi convocado, nestes vinte e anos da última Constituição? Há dois mil e quatrocentos anos, Péricles podia orgulhar-se e dizer: sou livre porque não obedeço a nenhum outro homem, só obedeço à Lei e a Lei sou eu que a faço (juntamente com todos os outros cidadãos, é claro). Os delegados recebem as leis do povo. Impossível? Não, era assim na Grécia, há dois mil e quatrocentos anos, e é assim em muitas pequenas cidades dos Estados Unidos e da Suíça. E é viável no mundo moderno das telecomunicações e da informática.
9. Mude-se a esdrúxula forma de se eleger a diretoria da Previ. Nada de chapas de candidatos a cargos nas diretorias. Que os sócios identifiquem os delegados que desejariam ter na direção da Previ, em cada agência do BB e em cada cidade (aposentados e viúvas), depois em cada Estado e depois no amplo espaço nacional. Mas, que os sócios os identifiquem, os escolham por iniciativa própria. Tomem iniciativa de forma conjunta, aberta e ampla. Nada de promoções próprias. Nada de propaganda pessoal. Vamos acabar com essa lenga-lenga de “vote em mim, porque eu sou o tal”, com essa política que desagrega e que, por muitos motivos, é muito suspeita. Queremos como delegados aqueles que conhecemos e reconhecemos como os melhores e insuspeitos. Isso é novidade? Não. George Washington, o General da Guerra da Independência Norte-americana e primeiro presidente dos Estados Unidos, não queria partidos políticos. Ele achava que eles dividem o povo em facções de forma insolúvel. Essa ideia de eleição do povo, como um só aglomerado de cidadãos, sem facções, estava nas origens da nova concepção de democracia. Ideia derrotada, é verdade.
10. Os delegados não terão programas próprios de administração, mas objetivos e processos outorgados pelos associados da Previ: eles aplicarão programas outorgados pelos sócios, a cada ano, ou a cada biênio, ou a cada circunstância especial. Eles serão delegados. Eles não farão as normas. As normas faremos nós, os sócios, sob a fiscalização do BB e do Governo. Os delegados aplica-las-ão.
11. Vamos acabar com essa história de superávit. Isso é construção, é fabricação. Só existe superávit, porque o índice de reajuste é insuficiente, é desproporcional aos resultados obtidos. Façamos um índice flex. Hoje tudo que compramos não é flex? Por que o índice de reajuste do patrimônio da Previ e dos benefícios não é flexível? Para dar lucro tal que o BB e o Governo (porque o governo é sócio majoritário do BB) se encham de ambição e ousem fazer o inaudito que é obter lucro extraindo lucros de uma entidade sem fim lucrativo? Extraindo lucro de uma entidade que pertence a idosos e viúvas, muitos passando por necessidades cruéis e alguns até já terminais?
12. Vamos acabar com essa extorsão às viúvas. As viúvas, a grande maioria delas, contribuíram para a formação do patrimônio da Previ. Aí está o trabalho delas, muitas vezes anônimo, mas até direto, na medida em que a contribuição do marido foi subtraída à contabilidade de suas despesas domésticas no passado para constituir sua renda no presente. A História conta que o mais antigo, o mais curto, o mais justo e o mais humano código de leis da História, com nada menos de cinco mil anos, o código de Urukagima, o rei de Lagash, ordenava: ricos poderosos não explorem os pobres, sacerdotes poderosos não ousem extorquir as viúvas e os órfãos. Colegas, não tripudiemos mais, já agora no século XXI, aquele que se seguiu ao século XX, o século do Estado do Bem-estar Social, sobre os direitos das viúvas nos benefícios proporcionados pela Previ. Envergonhemo-nos diante dos sentimentos de igualdade e humanidade daquele rei da aurora da História!...
13. No mundo dos dias atuais, o mundo onde os governos querem fixar a renda dos administradores de sociedades anônimas e as normas de conduta empresarial até nos paraísos fiscais, vamos entregar a administração da Previ aos associados, sob a fiscalização do BB e do Governo, é claro, e a realidade da Previ tornar-se-á de fato excepcionalmente transparente, como todos queremos – Governo, BB, Diretoria e Associados -, de modo a evitar fatos que aconteceram no passado, como relata o resumido livro de História da Previ, pela própria Previ publicado.

domingo, 15 de março de 2009

62. Mensagem a um Casal de Nubentes 2


Em homenagem a este dia, que pretendem constitua o ápice de suas existências, permitam-me tecer algumas reflexões existenciais, que nada revelam de extraordinário nem pretendem ser originais, mas penso sejam oportunas. Constituiriam os meus parabéns por essa data máxima da história do jovem casal, pois não quero simplesmente restringir-me às protocolares felicitações.
Há dois eventos irremovíveis na existência humana: o nascimento e a morte. E há dois outros que, via de regra, lhe demarcam definitivamente o curso: a formatura e o casamento.
Ninguém é responsável pelo próprio nascimento, o mais importante e fundamental evento da existência humana. É um fato determinante do destino individual. E, paradoxal e dramático, ninguém pode ser consultado sobre se quer ou não viver. Via de regra, é uma decisão apaixonada de nossos pais. Por vezes, nem é um fato desejado!... Pode ser até resultado de brutal violência. Seja como for, os grandes dramaturgos gregos preferiam a inexistência à vida. Os espartanos se desfaziam, em geral, das recém-nascidas e dos deficientes físicos. Hitler promoveu a eugenia da raça ariana. Nos tempos atuais, assistimos à admissão legal do aborto dos anencefálicos e dos filhos gerados na violência.
Achamos que a vida humana é o valor máximo da existência, porque a espécie homo sapiens é, em nossa era, o último produto da evolução natural e o mais perfeito e poderoso ser do universo conhecido. Por isso mesmo, achamos que nada há de mais importante e nada pode cercar-se de maior responsabilidade que gerar um indivíduo humano. Acreditamos, por isso, que só tem direito à vida o indivíduo dotado de atributos para a sobrevivência. Ninguém tem o direito de colocar no mundo um ser humano, sem condições previsíveis de se responsabilizar pela própria existência. É inaceitável lançar no mundo um indivíduo, pretendendo que sobreviva pela caridade alheia ou pela esmola. Só merece ser vivida a vida laboriosa e feliz. Nós, afortunadamente, somos computados entre esses privilegiados pela natureza e pela história. Enquanto o homem não descobrir forma poderosa de transformar recursos naturais em alimentos com tecnologia de insignificante custo para o meio ambiente, o planeta Terra não mais tem condições de suportar população humana crescente. Teria já ultrapassado a sua capacidade de reciclagem de recursos e sustentação. Haveria outra possibilidade, se evolução fizesse aparecer outra espécie humana, apta a sobreviver com menor custo para o meio ambiente!... A Humanidade, que hoje existe, está destruindo o meio ambiente para sustentar-se.
Na Antiguidade e na Idade Média, porque a vida era por demais curta, na passagem da adolescência para a juventude, o jovem era emancipado. Realizava-se, então, a solenidade da investidura nas armas. O atlético jovem grego ou romano tornava-se cidadão pleno, responsável por si e co-responsável pela pátria, e, portanto, um militar, arriscando a vida pela realização de um destino individual de riqueza e pela supremacia de sua pátria no concerto das nações conhecidas. Na Idade Média, esse cerimonial tomou a forma da investidura na ordem dos cavaleiros e na classe dos fidalgos. O jovem tomava posse no seu feudo, a extensão de terra de que tinha o domínio, nem que fosse na Finisterra, no fim do mundo. Aí construía o seu castelo, uma morada fortificada, onde abrigava a esposa e protegia a família, e de onde governava todo o feudo, expedindo ordens incontestáveis.
Nos dias atuais, muito mais extensa a vida humana, a emancipação é mais tardia, e ela se traduz ou se prenuncia pelas festas de formatura. Como os jovens de hoje se expandem em demonstrações de alegria, nas festas de formatura! Eles se habilitaram para a sobrevivência! Eles, de fato, se emanciparam! O jovem de hoje, cidadão da sociedade do conhecimento, necessita de uma habilitação exímia, não mais na arte da guerra, mas nas profissões da paz e da civilização. Ele só pode se julgar emancipado, quando tiver adquirido uma habilidade, cujo exercício lhe garanta a sobrevivência.
Ambos vocês são realmente emancipados. Ele, jovem médico. Ela, exímia fisioterapeuta, que projeta tornar-se médica. Nenhuma outra profissão é tão admirável como a de médico. Vocês são artífices da vida, corretores dos desvios e equívocos da natureza. Nas religiões primitivas, o médico era o xamã, o sacerdote tribal. Ele recebia das divindades o conhecimento da cura através dos sonhos, forma de comunicação com a divindade. Os gregos e os romanos pensavam que a cura era um conhecimento divino, propriedade do deus Asclépio, ou Esculápio, que o transmitira aos humanos. Os judeus julgavam, e ainda pensam, que a causa da doença e da morte reside no pecado. A doença e a morte seriam um castigo pelos pecados cometidos pelos homens: os homens honestos não adoeceriam nem morreriam. Os homens só morrem, porque todos seríamos maus.
Paulo de Tarso, o judeu greco-romano, provocou uma revolução na sociedade romana, quando apareceu pregando que o pecado fora expiado pela morte de Cristo e, portanto, não havia mais razão para a morte. Quem acreditasse que Jesus era o Filho de Deus, livrar-se-ia do pecado e, portanto, seria imortal. Em vez de morrer, iria logo tornar-se cidadão do Reino de Deus, que, brevemente, Cristo, acompanhado de toda a corte angelical, viria instalar no mundo. A pregação da imortalidade difundiu a religião cristã pelo Império Romano, com celeridade de um raio. Quem sabe se, vocês, ainda tão jovens, não chegarão a participar, já não dizemos da conquista da imortalidade, mas, pelo menos, graças a tantos previsíveis progressos das ciências biológica e médica, de um prolongamento tal da existência humana, que hoje apenas se apresenta imaginável e sonhado!
A emancipação é apenas a afirmação da individualidade. Passa-se a proceder na conformidade da imagem do mundo que se formou na própria mente. Cada indivíduo tem a sua própria imagem do mundo, semelhante por vezes no conjunto, mas sempre bem diferente das de todos os outros indivíduos em infinitas particularidades. Jovens feitos, não mais nos será imposta a imagem do mundo retratada na mente de nossos pais. A partir daí, toma-se o próprio destino nas mãos e procura-se que a trajetória da vida se conforme ao próprio projeto de felicidade e realização pessoal.
O casamento é um passo à frente. Nós agregamos ao nosso destino o do parceiro ou parceira. É um arriscado projeto de existência a dois, instituído por nossa civilização ocidental cristã. Um projeto de amor e, por isso mesmo, de confiança cega, apaixonada. É uma sociedade que se constrói na fé na palavra e nos atos do parceiro ou parceira, isto é, na fidelidade.
Nas civilizações antigas, em geral, o que valia era o pátrio poder. O homem casava-se com quantas mulheres pudesse sustentar. E as transportava para a própria tribo. Ainda hoje no Islamismo, os homens se juntam a duas ou até a quatro mulheres. Os gregos e os romanos compravam as suas mulheres, permitiam-se as concubinas e até os amores homossexuais. No ambiente atual de amplo liberalismo nos costumes, o mundo ocidental admite os mais diversos e estranhos tipos de companheirismo existencial. Vocês aderiram ao tipo tradicional, o casamento monogâmico com o selo do sacramento católico, que inclui uma solene promessa de cumplicidade amorosa por toda a vida! Que admirável profissão de fé no outro! É a rendição pessoal provocada por paixão tal que impele a crer na fidelidade, até mesmo na adversidade e na doença, até o ponto final da existência!
A cultura cristã ocidental entende que o homem e a mulher nasceram também para garantir a sobrevivência da espécie, através da união heterossexual. Maravilhosos os filhos, desde que compreendamos que somos responsáveis, a cada dia, pela sua educação e formação integral, que os romanos resumiam naquela conhecida máxima: mens sana in corpore sano. Os pais são responsáveis em transformar os animaizinhos humanos em cidadãos, isto é, homens capazes de viver em uma cidade, homens urbanos, homens sociáveis, homens civilizados. Homens civilizados! Quanta coisa em dois vocábulos! Seja como for, não será que no poente de suas existências, ou na época da existência dos seus filhos, não se verá o indivíduo humano gerado e gestado em clínicas do nascimento, produto sem dor da engenharia genética, construído segundo as preferências do casal?! O matrimônio já não mais seria para a proliferação, mas simplesmente para o prazer!
Nessa época futura e próxima, dentro de uma ou duas gerações, a expectativa de vida humana alargar-se-á para mais de cem anos, para cento e cinqüenta ou mais anos. Uma existência com menos doença, mais conhecimento, mais divertimento, mais trabalho, trabalho tecnológico e com menor sacrifício humano. Uma civilização mais laboriosa e mais alegre. Uma sociedade de indivíduos humanos mais felizes! É a realização do projeto original do Pentateuco, os cinco primeiros livros da bíblica cristã, os cinco livros da Tora dos judeus! Não será a imortalidade imaginada por Paulo de Tarso. Mas será uma infinidade de trajetórias de vida vitoriosas, maravilhosas. Admiráveis realizações de ideais pessoais que constituirão uma sociedade humana deslumbrante e sonhada. E cada ponto final de cada trajetória será uma manifestação de honra e orgulho. Um final aceito, tranqüilo, feliz e sem dor! Vocês verão?!
Com os votos do mais feliz caminho a dois, pelos jardins da existência! Até, de tão centenários velhinhos, sumirem serenamente no ar, como pequenos rolos de fumaça branca, nuvenzinhas passageiras, deliciosos sopros de brisa!... Também, a dois, por que não?...

(Escrito em 2005)

sábado, 14 de março de 2009

61. Mensagem a um Casal de Nubentes 1


A comunicação de casamento foi por mim recebida como honrosa consideração de vocês e suscitou-me sentimento de especial estima e carinho, bem como um voto muito forte de felicidade para o jovem casal.

Penso que a existência humana tem quatro balizas principais: o nascimento, a profissionalização, a opção pelo estado civil de casado ou solteiro, e a morte. O nascimento e a morte são duas balizas irremovíveis. As outras duas dependem da extensão da história individual.
O nascimento marca geneticamente cada indivíduo com o DNA e define a família cuja cultura promove a formação do organismo, sobretudo da mente, isto é, do sistema nervoso, cujos bilhões de neurônios e trilhões de sistemas, dendrites, espinhas e sinapses se desenvolvem, sobretudo até os 10 anos, formando a originalidade, a unicidade, que é cada indivíduo humano. Ninguém é consultado para nascer. Todo o indivíduo surge da vontade de outros indivíduos, sob o consentimento da sociedade humana, como mais um elemento supostamente bem-vindo para a sua renovação e constituição. Aí, nessa originalidade que conhece e quer, produzida sem consulta pela sociedade humana, suponho eu residir o fundamento biológico do direito à vida, à liberdade e ao respeito, respeito esse que me parece a característica fundamental das relações sociais e do direito. Tudo isso vai acabar desaguando na história única, original, que é cada indivíduo humano, do berço ao túmulo.
Outra baliza importante na vida do indivíduo, a profissionalização, marca o momento da responsabilidade e da autonomia individual. Cortam-se amarras familiares. Inicia-se a grande aventura individual. Passa-se a criar a própria história e a assumir sozinho os próprios riscos. A originalidade genética sob a ação cultural da família tem influência decisiva sobre esse momento, no sentido em que proporciona o surgimento das habilidades individuais: o cantor, o músico, o dançarino, o artista plástico, o cientista, o carpinteiro, o marceneiro, o torneiro mecânico, o médico, o advogado. Piaget diz que os três primeiros anos do indivíduo são decisivos na sua existência. Outros neurocientistas afirmam que até os 10 anos a mente, o cérebro, assume os seus marcos definitivos de originalidade. Outros postergam essa formação para a idade dos 20 anos. Vocês optaram pelo Direito. A venda ocular da deusa da justiça sempre me intrigou. Ela a assume para fazer justiça ou injustiça? Ludwig von Mises, juntamente com Hayek mestre da economia neoclássica, em seu livro sobre o socialismo, afirma que as leis existem, não propriamente para fazer justiça, mas exatamente para promover a paz. A advocacia e a magistratura tentam fazer justiça, nem sempre conseguem alcança-la, mas a decisão definitiva da justiça deve propiciar um processo de pacificação. Vocês são, sobretudo, promotores da paz.
Baliza mais importante da vida individual é para mim a opção pelo estado civil. Ela atrela um indivíduo a outro indivíduo. Há 40 anos, essa união era considerada indestrutível. Atualmente, admite-se que seja episódica. Seja como for, são duas originalidades que se unem, e até certo ponto se fundem, para construir uma felicidade comum! Que hercúleo e surpreendente projeto! Mais ainda surpreendente, quando se ousa assumir a responsabilidade de oferecer à sociedade outras originalidades humanas, sem qualquer consulta aos filhos. Essa tarefa, sobretudo se ela é desejada como projeto comum indissolúvel, exige muito amor mútuo, exige que sempre se esteja olhando o parceiro, face a face, olho no olho, com inextinguível chama de amor, compreensão e cooperação. Exige a renúncia ao egoísmo, exige a entrega ao outro sem condicionamentos e sem arrependimento. Exige a chama eterna da paixão.
Dessa forma, cada indivíduo constrói a sua história, uma história original, única. Uma história que pode constituir um empreendimento de sucesso e de felicidade, numa família de indivíduos diferentes e felizes, numa sociedade de indivíduos tão diferentes e muito felizes. E o término de cada história será o retrospecto da realização de um projeto original da natureza, de uma trajetória de vida que foi reservada a cada indivíduo e que até certo ponto lhe coube também para ele contribuir com sua liberdade e suas decisões pessoais. Cada indivíduo humano dirá no seu término: esta foi a minha vida, ninguém teve outra igual!
Eis a responsabilidade de cada um para consigo mesmo: que o meu projeto tenha sucesso, gere felicidade para mim e ao meu redor, seja uma história bonita e feliz.