segunda-feira, 13 de julho de 2009

136. Parnaíba, Como a Conheci


Parnaíba. Penso que nenhum leitor deste blog saiba da existência dessa cidadezinha. Ela foi-se formando, há séculos, num dos paraísos terrestres brasileiros, o delta do rio Parnaíba, no esquecido Estado do Piauí. Nem mesmo os jornalistas dos programas televisivos de meteorologia se lembram de prenunciar as condições de tempo no Piauí. Diariamente, ouço-os saltar do Maranhão para o Ceará.
Parnaíba, no século passado, até a década de 40, situava-se entre as cidades mais operosas e progressistas do Nordeste brasileiro. As principais empresas parnaibanas competiam em desempenho com as similares dos Estados do Maranhão e Ceará. Parnaíba era um notável polo comercial internacional. Era uma cidade aberta, para usar o maravilhoso qualificativo que Péricles pespegou a sua estupenda Atenas no famoso discurso. Naquela época, Parnaíba era uma cidade litorânea. Hoje, o antigo porto marítimo de Parnaíba, Amarração, é a sede do município de Luís Correia.
Amarração não era, contudo, a porta que conectava Parnaíba ao mundo. Ela era, e ainda é hoje, já alçada à categoria política de cidade com o nome de Luís Correia, um porto onde o Igaraçu, o braço parnaibano do rio, arma ciladas aos raros navios que por ali se aventuram a adentrar. Ele vai abrindo hoje uma nova passagem, que logo amanhã caprichosamente entulha com a areia movediça, que atapeta aquela região submarina.
O porto de Parnaíba era, de fato, o fluvial Porto das Barcas, onde fervilhavam navios-gaiola, lanchas e barcaças. Eles desciam até Tutóia, cidade litorânea maranhense. Lá, enchiam-se de mercadorias trazidas de navio, sobretudo do exterior. A ligação comercial de Parnaíba não era propriamente com o Brasil. Era com a Europa e os Estados Unidos: os portos holandeses, também Hamburgo, New York e, sobretudo, Londres.
Parnaíba exportava babaçu, tucum, outras oleaginosas, couro de animais silvestres, algodão e cera de carnaúba. Importava muita coisa, quase tudo, do exterior. O parnaibano comia manteiga e queijo inglês. As refeições eram servidas em louça inglesa. Bebia-se cachaça e também uísque escocês em copos ingleses. Casas havia onde se degustava à tarde o chá das cinco, à inglesa, enquanto se jogavam partidas de bridge. As casas eram revestidas com estuque de procedência inglesa. Os homens vestiam linho inglês e as mulheres seda importada de Londres. As parnaibanas maquiavam-se com pó, rouge e batom inglês. Perfumavam-se com essências francesas. Os poucos carros, que trafegavam pelas ruas arenosas da cidade, eram Ford bigode, o produto revolucionário, produzido em série para a população de classe média pelo genial americano. Para completar a paisagem de cultura inglesa equatorial impunha-se a existência de um castelo. Havia-o, sim, o castelo do Tó, solteirão de sangue inglês, sócio da Casa Inglesa.
As mercadorias chegavam a Parnaíba pelo rio. As estradas eram imprestáveis para o trânsito de veículos motorizados, que praticamente inexistiam. Além do rio, apenas a estrada-de-ferro ligava Parnaíba à capital, Teresina. Assim, Parnaíba era o umbigo do Piauí, o ponto por onde o Estado se ligava ao exterior. Os abastados comerciantes parnaibanos eram conhecidos no Brasil e no mundo: a Casa Inglesa, a Casa Marc Jacob, os Moraes Correia, Pedro Machado & Trindade, Casa Torquato, José Narciso. A Booth Line agenciava navios. Filhas de família da classe média casavam com ingleses. Algumas foram morar na Inglaterra. Agentes de empresas alemãs foram lá perseguidos e presos, quando os navios brasileiros foram bombardeados durante a Segunda Guerra Mundial.
Documentos comerciais, redigidos em inglês, atulhavam os escritórios das empresas parnaibanas: cartas, telegramas, faturas, letras de câmbio e ordens de pagamento. Parnaíba foi uma das primeiras dezenas de cidades brasileiras agraciadas com agência do Banco do Brasil. E, é óbvio, até a década de 60, a agência de Parnaíba era uma das poucas que possuíam a Seção de Câmbio.
Os jovens parnaibanos, que ambicionavam um futuro mais promissor, faziam o curso ginasial e estudavam contabilidade. Tinham, é claro, que ler e escrever inglês. Os jovens de famílias abastadas iam para Recife, Salvador e Rio para diplomar-se em medicina, direito ou engenharia. Regressavam doutores e herdavam os negócios dos pais.
Os jovens de famílias da classe média aventuravam-se no Rio de Janeiro, a capital da federação brasileira, ou em São Paulo, o fenômeno econômico brasileiro. Ou ficavam na cidade e empregavam-se no comércio local. Ou se submetiam a concurso para trabalhar no serviço público ou no Banco do Brasil.
Meus quatro irmãos ingressaram no Banco do Brasil. Realizaram uma aspiração de meu pai, passando defronte do gracioso sobrado da agência, erguido numa esquina da aprazível Praça da Graça: “os meus filhos ainda vão ser funcionários desse banco”. E foram nele bem sucedidos: chegaram ao topo da carreira de escriturário, o posto de Chefe de Seção.
Tudo passa...