quarta-feira, 18 de setembro de 2013

270. Teoria Multissecular

A mente humana é um teatro, é um fluxo contínuo de fenômenos que surgem e desaparecem. Conhecer é a atividade mental com que tentamos (sujeito) reproduzir na mente (conceito, imagem mental racional) a estrutura de uma coisa com que nos deparamos (objeto) e explicar o seu aparecimento e desaparecimento (explicação da existência do objeto). Tentamos saber o que é, o que era antes e o que será depois, e por que é e um dia não mais será, e, até, quando começou a ser e quando não mais será. Entre muitas outras coisas, essa atividade mental – conhecer – nos proporciona atuar no sentido de alcançar a sobrevivência. Oferece-nos a possibilidade de adquirir o que proporciona a sobrevivência e evitar o que lhe é nocivo. Isso é o conhecimento racional, a Razão.

As Mitologias, como também é em grande parte o conhecimento comum que se adquire na experiência rotineira da vida, são explicações da Natureza. A Mitologia Grega é uma explicação da realidade com que nos deparamos, através da existência de um outro Mundo, o sobrenatural, povoado de seres imortais, superdotados das mesmas qualidades humanas, positivas e negativas, que, entre outras coisas, se dedicam a interferir, e até comandar, no funcionamento deste Mundo terrestre e no destino dos homens e da Humanidade.

Aristóteles afirmou que, na passagem do Século VII para o VI AEC, Tales de Mileto, refletindo sobre o fato de que as coisas começam e acabam, percebeu que esse fenômeno natural é mera transformação das coisas. Uma semente não acaba totalmente e no seu lugar surge uma árvore. As coisas não se criam nem são aniquiladas. Elas se transformam: a semente se transforma em árvore. Logo, imaginou Tales, se a realidade é transformação, deve haver algo que se transforma. Deve haver algo que permanece em todas as coisas. Deve haver algo de que todas as coisas são feitas, um primeiro princípio.

Tales observou outra propriedade das coisas: elas se apresentam em três estados, o gasoso, o líquido e o sólido. Ora, existe uma coisa, a água, que se apresenta nesses três estados: água, gelo e vapor d’água. E concluiu: tudo o que existe é feito de água. Os gases são feitos de água. Os líquidos todos são feitos de água. Os sólidos são coisas que apresentam pouca água.  E, por fim, o fogo é a coisa que menos água detém. A água, concluiu ele, é o Primeiro Princípio de todas as coisas. Todas as coisas, que compõem a Natureza, são feitas de água.

O Mundo, que nos cerca, estava explicado pela primeira vez por algo que a ele pertence, a água. A Natureza estava explicada por algo que dela parte era, pela própria Natureza. Explicação natural. Não mais explicação sobrenatural da Natureza, através de seres que viviam no Mundo Supralunar, no pico da montanha do Olimpo, seres sobrenaturais e fantásticos, que nem mesmo eram encontrados quando se ousava subir até essa sua morada.

Essa simplória alteração de explicação da Natureza constituiu formidável modificação do modo de pensar do Homem, de conhecer a Natureza. Surgia a Filosofia. Desde aquele longínquo século, a Humanidade dedicou-se a aperfeiçoar o Conhecimento, a reprodução mental racional da Natureza, das Coisas.

Mas, por que essa explicação racional da Natureza, essa Filosofia Naturalista, tornou-se, para muitas pessoas, preferível àquela outra, a Mitológica? Somente dois milênios depois, um outro filósofo, Guilherme de Ockham, um frade franciscano, nos ofereceu o critério geralmente aceito hoje: “os entes não devem ser multiplicados sem necessidade.” Noutras palavras, a explicação mais simples e mais clara é a preferível. Explicar as Coisas, a Natureza, por ela mesma é mais simples do que explicar através de um outro Mundo, um Mundo Sobrenatural, existente para além da Lua, de seres fantásticos, com os quais nunca nos deparamos. Esse critério ficou conhecido como a Navalha de Ockham.

Durante um século, aqueles primeiros filósofos gregos naturalistas dedicaram-se a tentar explicar racionalmente a Natureza e criaram diversas teorias sobre o Primeiro Princípio. E tantas foram as explicações divergentes que, segundo Platão, Protágoras, um dos primeiros eminentes filósofos sofistas, proporcionou extraordinária alteração no modo de entender o Conhecimento.

“O homem é a medida de todas coisas”, ensinava Protágoras, segundo afirmou Platão. E explicava: “Para alguém que está doente, os alimentos parecem e são amargos; ao contrário, para alguém que está bem, eles são e parecem agradáveis.” E concluía: “... mas existe uma diferença infinita entre homem e homem, e exatamente por isso as coisas parecem e são de um jeito para uma pessoa e, de outro jeito, para outra pessoa.” Logo, o homem é a norma que julga todos os fatos...”. Protágoras foi um dos primeiros a elaborar uma Filosofia Humanista, uma teoria filosófica focada no Homem.

Esse subjetivismo do conhecimento tornou-se uma teoria amplamente aceita nos tempos modernos, depois que Kant, no século XVIII EC, o demonstrou com autoridade no conjunto de sua Filosofia Idealista, e  Edmund Husserl no século XIX EC o adotou na sua Filosofia Fenomenalista, e Noam Chomski no século XX o localizou na sua Filosofia da Linguagem. Claro, que o subjetivismo de Kant, de Husserl e de Chomski, diferentemente daquele de Protágoras, baseia-se em formulações teóricas sofisticadas. Kant, Husserl e Chomski entendem que a Mente é uma capacidade inata, dotada de determinadas estruturas, de elaboração de uma imagem da realidade. Essa é a formatação básica da Mente que em cada indivíduo se instala e se realiza de uma forma diferente, pessoal.

Nenhum deles nega a existência da Natureza que nos cerca. O que eles todos afirmam é que é impossível comparar a imagem mental da Natureza com a própria Natureza, porque qualquer que seja essa comparação, ela será sempre a de uma imagem mental com outra imagem mental. Noutras palavras, a imagem mental da Natureza é uma produção da Mente, o aparelho de conhecimento de que somos dotado pela Natureza. Assim, embora se admita que se conheçam as coisas, a Natureza, é impossível afirmar com absoluta certeza que se conheçam exatamente como elas são. Com absoluta certeza, somente conhecemos as coisas como elas são captadas pela nossa Mente.

Foi Kant quem, conforme ele mesmo expressou seu propósito, tentou promover a revolução copernicana, da Filosofia Realista para a Filosofia Idealista. De fato, a revolução copernicana de Kant reduziu-se à substituição do objetivismo aristotélico pelo subjetivismo moderno, digamos, o Fenomenalismo. Isto é, segundo Edmund Husserl, o Conhecimento é, de fato, a explicação do Fenômeno, das coisas como captadas, elaboradas pela Mente, prescindindo-se do fato de que em si mesmas as coisas sejam, ou não sejam, exatamente iguais ao Fenômeno que existe em nossa Mente.

Tudo isso está conforme com os ensinamentos da Física Quântica, a ciência do indeterminismo e da probabilidade, que assombrou até mesmo o maior dos cientistas modernos, Albert Einstein, ao ponto de leva-lo a refuga-la com aquela célebre frase: “Deus não joga dados.” E, sobretudo, com os ensinamentos da nova ciência,  a Neurociência, que, segundo Rita Carter, esclarecem que a atividade mental é “ditada por uma estrutura mental formada pela interação de nossos genes e o meio ambiente”. E Edward Osborne Wilson acrescenta que até os próprios genes são produtos da cultura passada acumulada. E Roberto Lent descreve como funciona o cérebro humano, composto de cem bilhões de neurônios, cada um com dez mil ramificações em média, cujas sinapses formam multiformes composições de estruturas operativas, à mercê das experiências ao longo da vida do indivíduo. O subjetivismo do Conhecimento é hoje admitido até com relação ao Conhecimento Científico, aquele Conhecimento constituído por ideias simples, claras, racional e sistematicamente concatenadas, com precisão matemática e comprovadas pela experimentação. Com efeito, segundo Karl Popper, “Todo conhecimento científico é hipotético e conjectural.”

E Protágoras prosseguia inferindo conclusões preciosas para nossa orientação na convivência com as outras pessoas: “Mas não é lícito inferir disso (o conhecimento do doente diferente do conhecimento do são) que entre esses dois um é mais sábio que o outro (porque não é possível) e tampouco se deve dizer que o doente, por ter tal opinião, é ignorante e que o são é sábio, por ter opinião contrária, mas sim que é preciso mudar de um estado para o outro, porque o estado de saúde é melhor. E assim, também na EDUCAÇÃO é preciso mudar o homem de um hábito pior para um hábito melhor.”

Protágoras foi habitante ilustre de Atenas. Observou o funcionamento da Eclésia, os debates de seis mil cidadãos da cidade a cada seis dias, no Ágora, diante do Conselho dos Quinhentos, que preparava a pauta das reuniões, estudava os projetos de lei, emitia opiniões e administrava a Cidade segundo as leis aprovadas pela Eclésia, medidas que eram tomadas por consenso de todos os cidadãos para o bem da Cidade e de todos os cidadãos, o bem público, o bem de toda a Sociedade.  Por isso, não existiam partidos, nem se admitiam conchavos entre indivíduos, nem se aceitava formação de grupos. O que valia ali era a contribuição individual, o pensamento inconfundível de cada cidadão, parcela do Povo Soberano. O Conselho dos Quinhentos, que era renovado a cada ano mediante o voto de todos os cidadãos atenienses, ali se achava para ouvir, porque, como se vê, ele nada mais era que um grupo de delegados a serviço do Povo Soberano da Cidade de Atenas. A Cidade de Atenas realizou, de fato, a ideia do Estado Democrático, da República.

Essa era precisamente a ideia de Estado esposada por Jean Jacques Rousseau, o teórico da Revolução Francesa, que hoje vejo denegrida por aqueles que defendem a caracterização do Estado Democrático pela existência de Partidos e de Representantes, de uma sociedade de DUAS CLASSES POLÍTICAS, OS QUE TÊM DIREITO DE FAZER AS LEIS (cidadãos de primeira classe) E OS QUE NÃO TÊM DIREITO DE FAZER AS LEIS (cidadãos de segunda classe). Estes afirmam que o CONSENSO, a VONTADE GERAL, expressão da vontade do POVO SOBERANO adquirida através do debate entre todos os cidadãos livres, é o princípio constitutivo dos Estados Fascistas!

A Cidade de Atenas não era um Estado Fascista. Ela foi o mais democrático Estado que já existiu na face da Terra! Essa realmente foi uma sociedade de cidadãos iguais (iguais no PODER POLÍTICO, SEM CLASSES POLÍTICAS) e livres. E Péricles pode, com toda a razão, dela ufanar-se proclamando: “Somos livres porque obedecemos somente a leis que nós mesmos estabelecemos (por consenso, em reuniões de cidadãos iguais)!” 

Aliás, hoje se admite a existência da Democracia semidireta, como é a própria Democracia modelada na Constituição Brasileira para o Povo Brasileiro, que consagra a formação das leis através, não só do voto dos Representantes do Povo, que devem ser a expressão dos programas dos próprios Partidos políticos, mas também de dois outros meios de expressão da Vontade Popular, o plebiscito e o referendo, institutos estes de participação direta do Povo.

Protágoras entendeu, assim, o valor da argumentação e o poder da palavra, a forma de expressão dessa argumentação. Percebeu que a Eclésia adotava a opinião das pessoas com maior conhecimento, com maior poder de raciocínio, com mais clareza de expressão, com maior habilidade de exposição, com maior poder de convencimento, com maior EDUCAÇÃO. Protágoras, o sofista, o sábio, dedicou-se, por isso, a ensinar a conhecer, a argumentar, a discursar, a debater e a convencer. Dedicou-se a EDUCAR, a transformar o cidadão de modo que ele pudesse produzir as melhores opiniões, aquelas que continham o bem público, o que seria do interesse de todos os cidadãos, aquelas que produzissem o CONSENSO! Protágoras dedicou-se a mudar o indivíduo para melhor, a construir uma pessoa excelente, com o propósito de obter assim as melhores leis para a cidade de Atenas.

Tudo isso é extraordinariamente moderno também. Livro escolar “Psicologias”, publicado neste século já, por um trio de professores da PUC de São Paulo, ensina: “O Homem aprende a ser Homem...  A única aptidão inata no homem é a aptidão para a formação de outras aptidões.” E cita H. Piéron: “A criança, no momento do nascimento, não passa de um candidato à humanidade, mas não a pode alcançar no isolamento; deve aprender a ser um homem na relação com os outros homens.”

E corroboro essa opinião valiosíssima reproduzindo o pensamento de vários pensadores:
Jean Paul Sartre: “O homem inventa o homem.” Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias.” “Todo ser humano deve ser livre para preencher seu destino individual e não transferível.” Bertrand Russel: “Creio que o único progresso consiste em aumentar a racionalidade, tanto prática quanto teórica.” “O objetivo dos homens políticos deveria ser o de tornar melhor a vida dos indivíduos. O homem político não deve levar em consideração... nada mais além dos homens, das mulheres e das crianças que compõem o mundo. O problema da política é estabelecer relações entre os seres humanos de modo que cada um deles tenha em sua própria existência tanto bem quanto possível. As instituições políticas e sociais devem ser julgadas conforme o bem e o mal que fazem aos indivíduos. Já está claro o que deveremos desejar para os indivíduos: fortes impulsos criativos que superem e absorvam o instinto de posse; reverência para com os outros; respeito pelo impulso criativo fundamental em nós mesmos.” Martin Buber: “(O Eu) “é fundamentalmente relação com um Tu... (que) vem ao meu encontro... Eu tenho origem exatamente na minha relação com o Tu; quando eu me torno Eu, então digo Tu”. Emmanuel Lévinas: “O sujeito é refém... O termo Eu significa eis-me aqui, respondendo por tudo e por todos.” Eduard Bernstein: “Em princípio, a democracia é supressão do domínio de classe, embora não seja ainda a supressão efetiva das classes... A democracia é a alta escola do compromisso.” Ernst Bloch: “O homem é a criatura que, por essência, projeta-se no possível...” Roger Garaudy: “... nossa sociedade está a ponto de desintegrar-se... exige transformação radical, não somente no plano da propriedade e das estruturas do poder, mas também da cultura e da escola, da religião e da fé, da vida e de seu sentido. É preciso mudar o mundo e mudar a vida... A única hipótese a excluir é continuar no caminho atual.” Adorno e Horkheimer: “A indústria cultural perfidamente realizou o homem como ser genérico... Ele próprio como indivíduo, é o absolutamente substituível, o puro nada...”  “Menoridade é a incapacidade de valer-se de seu próprio intelecto sem a guia de outro...” “(O que é necessário) é conservar, ampliar e desdobrar a liberdade, ao invés de acelerar... a corrida em direção ao mundo da organização.” Horkheimer: “Todos nós temos em comum um interesse originariamente humano: o de criar um mundo no qual a vida de todos os homens seja mais bela, mais longa, mais livre da dor e, gostaria de acrescentar, mas não posso acreditar nisso, um mundo que seja mais favorável ao desenvolvimento do espírito.” Marcuse; “Aquilo que os jovens hoje querem é uma sociedade sem guerra, sem desfrute, sem opressão, sem  pobreza e sem desperdícios... Mas creio que sobre a base de uma eliminação da pobreza e do desperdício de recursos se possa encontrar uma forma de vida em que os homens consigam determinar sua própria existência.” Roscoe Pound: “(Se deve pensar o Direito) não como um organismo, que cresce por causa e por meio de algumas propriedades a ele inerentes, e sim... como um edifício construído pelos homens a fim de satisfazer aspirações humanas, que é continuamente consertado, restaurado e ampliado para atender ao crescimento ou à mudança das aspirações e também à transformação dos costumes.” Kelsen: “...não sei e não posso dizer o que é a justiça, aquela justiça absoluta que a humanidade procura. Devo me contentar com uma justiça relativa... a justiça é para mim aquele ordenamento social sob cuja proteção pode prosperar a busca da verdade. Minha justiça, portanto, é a justiça da liberdade, a justiça da democracia; em suma, a justiça da tolerância.” Friedrich Hayek: “Longe de propugnar um estado mínimo, consideramos indispensável que em uma sociedade avançada o governo deve usar seu próprio poder de recolher fundos por meio dos impostos, para oferecer uma série de serviços que por várias razões não podem ser fornecidos... pelo mercado...Assegurar uma renda mínima a todos, ou um nível abaixo do qual ninguém desça quando não pode prover a si próprio, não só é uma proteção absolutamente legítima contra riscos comuns a todos, mas é tarefa necessária da Grande Sociedade...”  John Maynard Keynes: “A meu ver não há espaço hoje... para os que permanecem ligados ao individualismo no velho estilo e do laisser-faire integral... Pelo menos metade do livro da sabedoria de nossos estadistas se baseia sobre teorias verdadeiras há um tempo,... mas que se tornam a cada dia menos verdadeiras. Devemos inventar uma nova sabedoria para uma nova época... se quisermos fazer alguma coisa de bom, devemos agitar-nos, mostrar-nos heterodoxos, perigosos, desobedientes a nossos progenitores... No campo econômico... devemos encontrar novos instrumentos e novos critérios políticos para... intervir no funcionamento das forças econômicas, de modo que não interfiram além da medida nos critérios válidos hoje em matéria de estabilidade social e de justiça social.” Lévi-Strauss: “O mundo começou sem o homem e terminará sem ele... As instituições, os usos e os costumes... são uma florescência passageira de uma criação em relação à qual eles não têm nenhum sentido... embora o esforço do homem... seja o de opor-se em vão a uma decadência universal... ele... máquina talvez mais aperfeiçoada do que as outras, que trabalha para a desagregação de uma ordem  e precipita uma matéria poderosamente organizada  definitiva.” Gaston Bachelard: “... aceder à ciência quer dizer... rejuvenescer, quer dizer aceitar uma brusca mudança que deve contradizer o passado.” Karl Popper: “A democracia não pode caracterizar-se completamente apenas como governo da maioria... Com efeito a maioria pode governar de maneira tirânica... Em uma democracia, os poderes dos governantes devem ser limitados, e o critério de uma democracia é este: em uma democracia, os governantes – ou seja, o governo – podem ser demitidos pelos governados sem derramamento de sangue.” Willard van Orman Quine: “A verdade científica sobre os objetos físicos é ainda a verdade, embora o homem seja o seu autor... Nós falamos sempre dentro do nosso sistema corrente. Sem dúvida nosso sistema muda. E quando muda não dizemos que a verdade muda junto com ele; dizemos que de modo errado consideramos verdadeiro algo que não o era e que agora aprendemos melhor. A palavra de ordem é falibilismo, e não realismo. Falibilismo e naturalismo.” Richard Rorty: “... a pesquisa da verdade é um dos muitos modos com que podemos ser edificados.” “... considerar igualmente válidas, embora destinadas a ser incomensuráveis, as exigências de autocriação e de solidariedade humana.” “... os irônicos liberais são pessoas que têm... a esperança de que o sofrimento possa diminuir, e que possa ter fim a humilhação sofrida por alguns seres humanos por causa de outros seres humanos.” “...a solidariedade não é descoberta com a reflexão; ela é criada... tornando mais sensíveis ao sofrimento e humilhação particulares, sofridos por outras pessoas desconhecidas.” John Rawls: “Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, riqueza e renda, e as bases do respeito de si – devem ser distribuídos de modo igual, a menos que uma distribuição desigual, de um ou de todos estes valores, não resulte em vantagem de cada um. A injustiça, portanto, coincide simplesmente com as desigualdades que não resultam em benefício de todos.” Robert Nozick: “O Estado mínimo trata-nos como indivíduos invioláveis... como pessoas que têm direitos individuais com toda a dignidade que daí provém... permite-nos... escolher nossa vida... no limite de nossas capacidades, auxiliados pela cooperação voluntária de outros indivíduos investidos da mesma dignidade.” Michael Novack: (O capitalismo democrático é) “uma economia prevalentemente de mercado; uma forma de governo respeitosa dos direitos da  pessoa à vida, à liberdade e à busca da felicidade; e um sistema de instituições culturais animadas por ideais de liberdade e de justiça para todos.”
Como ficou aí acima comprovado, é um pensamento de milênios que a verdade é relativa e subjetiva, que a verdade e a pessoa humana são construções individuais e sociais, resultados de um processo histórico que engloba planejamento e circunstâncias, de uma tessitura de atos planejados disseminados no oceano dos processos existenciais circundantes. A verdade e a pessoa de cada indivíduo humano são a sua história. São o produto modelado pela ação individual propositada, sim, mas diluída na avalanche de forças existenciais circunstanciais, naturais e sociais, sobre as potencialidades de sua genética, a mais originária.
E nesse cenário de gestação da verdade e da pessoa salienta-se a ação da Educação, o processo de transfusão, difusa ou específica, da Humanidade circunstancial existente, na sua expressão cultural, para o indivíduo humano, ao longo de sua vida.
Roger Osborne salienta que o Estado Democrático, tal qual observado por Protágoras, reúne os cidadãos com suas diferenças, suas opiniões e seus interesses diferentes, coloca-os no seio da comunidade cujo interesse público conflita com os interesses individuais e grupais. Reúne-os para que, através do debate, do confronto das opiniões e dos interesses diversos, se alcance o conhecimento do bem público, do bem comum a todos os cidadãos, à Sociedade.

Entendo que isso significa que a Democracia acolhe as diferenças pessoais, físicas e mentais, de pensamento, de gostos, de habilidades, de riqueza, de hábitos, de profissões.  Noutras palavras, o Estado Democrático é a sociedade organizada de cidadãos livres. Livres, porque todos os cidadãos são IGUALMENTE livres para se realizarem como bem entenderem, desde que respeitem o bem público que eles reconheceram por consenso, alcançado em debate livre por todos reunidos. É a igualdade de oportunidades.

No meu entender, porém, um Estado é, de fato, plenamente democrático, somente quando todos os cidadãos são iguais no poder político, no poder de fazer as leis, no poder de obrigar, no poder de comandar. Nenhuma sociedade, nenhum grupo é plenamente democrático, quando alguns fazem as leis e outros, a grande maioria dos indivíduos, são simplesmente obrigados a acatá-las. Só entendo que exista sociedade, grupo democrático, quando todos os sócios se reúnem no mesmo recinto, no mesmo nível de assento, todos com o mesmo direito de falar e com a mesma obrigação de ouvir.

Julgo que nos dias de hoje já existam condições para a realização do Estado Democrático, em toda a sua plenitude, a Democracia Direta. Existe hoje o ESPAÇO VIRTUAL, praticamente franquiado a todas as pessoas. Não é mais irrealizável repetir em nossos dias, nesse espaço virtual, aquela maravilhosa cena dos cidadãos reunidos, em perfeita igual de poder político, para decidir sobre o bem público. Penso que é esse o maior desejo dessa multidão, que foi recentemente às ruas do País protestar de forma pacífica, alguns deles até a expressando no simbolismo da oferta de rosas brancas às forças estatais de segurança da ordem pública. Infelizmente ato tão sublime de cidadania foi conspurcado pela violência de alguns, ato inaceitável numa sociedade civilizada.

Acho que nós, os funcionários, aposentados e pensionistas do Banco do Brasil, já poderíamos inaugurar essa nova era em nossas associações.  Todos os Estatutos, Regulamentos e Normas estabelecidos por debates entre associados iguais no poder político. Isso poderia até transportar-se, num futuro próximo, para outros tipos de associações, que tratam de interesses de funcionários do Banco do Brasil.

Utopia? Não nos iludamos, a realidade de hoje foi utopia ontem.

E Roger Osborne conclui sua descrição da democracia ateniense: “De acordo com Protágoras, os cidadãos de uma democracia exercem o poder pela expressão coletiva e criam a ordem por meio do autocontrole coletivo – reconhecendo que seus interesses são comuns e não pessoais. A recompensa para esse autocontrole existe no mundo real, pois dá ao homem a forma mais elevada de realização ao interagir, no governo, com pessoas de diferentes classes e origens, e possibilita sua autonomia, liberdade e excelência.”

Os cidadãos de Atenas, portanto, tão livres e tão desiguais, cada um com sua genética, com sua verdade subjetiva diferente da verdade do outro, e cada um com seu interesse particular diferente do interesse do outro, eram capazes de realizar o milagre do consenso no tocante ao interesse público, ao bem público! Eram capazes de tornar REALIDADE A UTOPIA!

Assim pensava Protágoras. Assim pensaram tantas mentes poderosas, ao longo de séculos. Realizemos a UTOPIA.