sexta-feira, 3 de julho de 2015

341. Reflexões Sobre “O Capital no Século XXI”

The Economist, revista inglesa, londrina, de pensamento marcadamente liberal e da economia de mercado, a mais famosa revista de assuntos econômicos no Mundo, que marcha para dois séculos de existência, com tiragem semanal de cerca de milhão e meio de exemplares, vendidos no Mundo, metade nos Estados Unidos, referiu-se a esse livro de Thomas Piketty, com a seguinte expressão: “Maior que Marx.”
Paul Krugman, economista norte-americano, Prêmio Nobel de Economia, professor na Universidade de Princeton, afirmou sobre o livro e o autor: “Piketty transformou nosso discurso econômico; jamais voltaremos a falar sobre renda e desigualdade da mesma maneira.”
Thomas Piketty é jovem economista francês, com 44 anos de idade. Contratado como professor pelo MIT, Estados Unidos, aos 22 anos, três anos depois, findo o contrato, não o renovou. Preferiu retornar à França, onde ensina Economia na École d’Économie de Paris.
Esclarece, no livro, a preferência pelo regresso à França. Entende que a Economia é uma Ciência Social. Assim, ela precisa ter a precisão matemática e a abstração racional do método dos professores de Economia norte-americanos, aplicados aos fatos concretos da experimentação do método dos professores de Economia europeus.
O livro é um estudo da riqueza nacional, do conjunto de bens possuídos pelos cidadãos de um País. Mais precisamente, é um estudo da distribuição (repartição) da riqueza nacional. Estuda, pois, as quantidades relativas da riqueza nacional possuídas pelo capitalista e pelo trabalhador.
Capital, com efeito, são os bens, expressos em seu valor monetário, da propriedade dos cidadãos de um País e empregados na produção do Produto Nacional ou Renda Nacional, também expresso em seu valor monetário. Produto Nacional ou Renda Nacional é a produção nacional em um ano, expressa em valor monetário. O autor adota a Renda Nacional per capita, isto é, a Renda Nacional Média (Renda Nacional dividida pela população do País, isto é, RN/PP).
Capitalista é o rentista, isto é, aquele que sobrevive unicamente dos bens (renda do capital) que lhe são produzidos pelos bens que possui (capital). Não trabalha para sobreviver. A outra parte dos cidadãos de um País é a do Trabalhador, isto é, o cidadão que sobrevive unicamente dos bens que lhe são proporcionados pelo seu trabalho (renda do trabalho). Não possui bens (capital) que lhe proporcionem outros bens (renda de capital).
Então, o Trabalhador põe a funcionar o capital do Capitalista e produz-se a Renda Nacional, que é repartida (distribuída) entre o Capitalista (renda do Capital) e o Trabalhador (renda do Trabalho).
O livro é um estudo desse assunto particular da Economia: a distribuição da riqueza nacional entre Capitalista e Trabalhador.
Existem dois históricos estudos com conclusões divergentes a respeito desse assunto. Karl Marx, no século XIX, em “O Capital”, afirmou que o Capitalismo (a economia de mercado, de negócios sem comando estatal) caracteriza-se pela acumulação contínua e crescente da renda do capital e redução contínua e crescente da renda do trabalho. O Capitalismo é intrinsecamente anti-social, inviável. O final do Capitalismo é paradoxal: só existe o Capital, sem Trabalho! O Capitalismo é a própria crise no final. É apocalíptico.
Kuznets, em “Modern Economic Growth”, em 1966, afirmou que o Capitalismo (a economia de mercado), no seu desenvolvimento nacional inicial remunera preponderantemente o Capital, mas, alcançado determinado nível de desenvolvimento, a renda do Capital e a renda do Trabalho passam a elevar-se simultaneamente e satisfatoriamente, distribuindo a riqueza entre todos os cidadãos (capitalista e trabalhador) na conformidade dos méritos de cada um, proporcionando a justiça e o bem estar social. O Capitalismo, portanto, é intrinsecamente social e contribui para a formação do Estado Democrático, do Estado do Bem Estar Social e da Justiça Social.
Piketty adverte que a RIQUEZA NACIONAL é composta da PARCELA CAPITALISTA e da PARCELA TRABALHISTA. Afirma que existe uma lei econômica (uma função matemática) que relaciona a PARCELA CAPITALISTA (PC) com a Renda do Capital ( r ), com a Riqueza Nacional ( Q ) e com a Renda Nacional (RN):
PC = r (Q/RN)
Ele denomina essa função matemática, de Primeira Lei Fundamental do Capitalismo.
Por que admiti-la? Primeiramente, ela é lógica. É evidente que a PC hoje depende de quanto era o Capital (Q) no passado, de quanto tem sido a taxa de renda do capital ( r ) e de quanto tem sido a taxa de crescimento da RN. Maiores Q e r no passado, maior PC no presente. Maior RN no passado, menor a razão ( Q/RN ) e menor, portanto, PC. O PC, portanto, é diretamente proporcional a r e a Q e inversamente proporcional a RN.
Em segundo lugar, essa fórmula está conforme com os dados estatísticos existentes, em todos os países, desenvolvidos e subdesenvolvidos, isto é, ao longo de toda a história da Estatística e da Ciência Econômica. Ela, é de fato, uma lei científica, pois faz previsões com precisão matemática e é formulada com base na experiência, isto é, em dados concretos.
 
Então, o que nos diz essa lei? Ela diz que nem Karl Marx nem Kuznets estão corretos. Por que? Porque tanto a renda do capital ( r ), quanto a RN (Renda Nacional) são voláteis, variáveis, incertas. Há três possibilidades para essa razão r/RN: ela pode ser igual, maior ou menor que 1 (um). Igual a 1 (um), a PC não se altera (não cresce nem decresce). Maior que 1 (um), a PC aumenta. Menor que 1 (um), a PC diminui. E é exatamente isso que verificamos nos dados experimentais exibidos pela história da Estatística e da Ciência Econômica nos seus quatro séculos de existência.
De fato, do final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial e nas três décadas do pós II Guerra Mundial, houve extraordinário aumento da RN, baixa razão r/RN e baixa PC. Ao longo dos demais períodos, nestes quatro séculos de Capitalismo (economia de mercado, sem comando estatal) constata-se taxa de RN baixa, alta razão r/RN, elevação da PC.
Karl Marx, pois, não está certo, porque a PC não cresce sempre. Embora a História relate mais longo período de crescimento, a acumulação não é infinita, contínua, intrínseca ao mecanismo de funcionamento da economia de mercado, do Capitalismo.
Kuznets também não está certo, porque depois de alcançar elevado nível de riqueza, a PC, a PT ( Parcela do Trabalho) e Q podem decrescer, e até a PC crescer com relação à PT.
A Ciência Econômica tradicionalmente explica a distribuição da riqueza nacional entre Capitalista e Trabalhador, através de função matemática que relaciona a Parcela do Capital com a Poupança (Investimento) e a Renda Nacional. Piketty invoca-a dizendo que se trata da Segunda Lei Fundamental do Capitalismo:
PC = P/RN
PC (Parcela do Capital), P (Poupança) e RN (Renda Nacional)
Esta lei explica, igualmente, e de forma também direta, mais baixa a taxa de crescimento da RN, mais alta é a razão P/RN e mais alta é Participação Capitalista na Riqueza Nacional (Q)
Estes quatro séculos da História da Estatística e da Economia insinuam que, habitualmente, no longo prazo, a taxa de crescimento da RN é baixa e, portanto, a razão P/RN é alta. A PC, pois, de fato, em geral, no longo prazo, se acumula continuamente, se nada interferir no funcionamento da economia de mercado.
A intuição de Karl Marx, pois, aproximou-se da verdade, quando percebeu que, nas circunstâncias habituais, o Capitalismo, a economia de mercado, proporciona aumento da Participação do Capital (PC) na Riqueza Nacional (Q). A Economia de Mercado não é apocalíptica, mas pode desembocar em situações econômicas tais de desigualdade social que provoque injustiça social e graves perturbações sociais! Não avaliou, todavia, suficientemente que outros fatores naturais, sociais, culturais e políticos influenciam também a Renda Nacional (RN), flexibilizando-a e, assim, podendo elevar-lhe a taxa,  abatendo a razão P/RN e reduzindo a Parcela do Capital (PC).
Kuznets, por seu turno, não está certo quando afirma que o Capitalismo, a economia de mercado, contém em seu mecanismo de funcionamento as forças para o equilíbrio econômico e a produção de uma sociedade do bem estar, baseada na justiça e no mérito.
Este fator econômico – aumento da qualificação (eficiência) do Capital – não é habitualmente capaz de aumentar permanentemente de  tal forma a Renda Nacional (RN) que consiga manter a razão P/RN  abaixo de 1.
Estas reflexões restringem-se às duas primeiras das quatro partes, que compõem o livro de Thomas Piketty.
A propósito, quero encerrar estas considerações fazendo uma homenagem a Karlos Rischbieter, de quem guardo um cartão de agradecimento, de quando era Presidente da Caixa Econômica Federal e, sobretudo, profundo sentimento de admiração pela personalidade, caráter e humanidade, demonstrados no exercício da Presidência do Banco do Brasil, na década de 70 do século passado. É que Karlos Rieschbieter produziu excelente estudo de apresentação da versão para o Português, de Modern Economic Growth, de Kuznets, na série Os Economistas, publicada pela Abril Cultural.