quinta-feira, 6 de outubro de 2016

358.Reformulação da Súmula 288 do TST – Análise (continuação)

O Preâmbulo da Constituição do Estado Brasileiro

A análise é discurso racional. Tratarei de seguir o exemplo deixado por Descartes, o mestre moderno da racionalidade, adotando discurso simples, claro e distinto, tanto mais que, como vimos, foi a racionalidade o argumento invocado pelos eminentíssimos e respeitabilíssimos ministros do STF para instruir o TST a mudar a Súmula nº 288, adotando doravante a norma jurídica da época do benefício, ao invés da norma jurídica da época do contrato de trabalho, como sempre antes fora praxe.

É que estou bem consciente do que ensinam os mestres do Direito: “O Direito é aquilo que o Poder Judiciário diz o que é, segundo os graus de competência de cada órgão judicial. O Direito é circunstancial. O objeto do Direito (as normas jurídicas) pode ser analisado cientificamente, mas a aplicação do Direito (das normas jurídicas) depende das circunstâncias que envolvem os fatos, os valores, e as partes ou pessoas envolvidas.”

A Constituição do Estado Brasileiro é a “norma jurídica suprema reguladora das condutas e comportamentos de todas as pessoas, órgãos ou corporações sujeitas ao poder estatal brasileiro.”, porque o Brasil é um Estado Democrático de Direito, isto é, no Brasil o poder soberano pertence ao Povo. No Brasil, indivíduo algum se submete, obedece a outro indivíduo. O cidadão brasileiro só é guiado pela Lei e só a ela se submete.

O preâmbulo enuncia os valores, os bens que os indivíduos nacionais brasileiros, reunidos no dia 05/10/1988, (o dia precisamente em que eu completava 33 anos que ingressara no Banco do Brasil), pretenderam alcançar, organizando-se em sociedade, a convivência dos brasileiros, isto é, constituindo o Estado Brasileiro. Esses bens, valores, são metas a perseguir em todo o desenvolvimento da teia legal que será a Constituição Brasileira e o Direito Positivo Brasileiro. E essa teia se vem formando e ampliando a partir de então.

Já foi decidido pelo STF que “o preâmbulo não é norma jurídica, não é norma constitucional, mas um enunciado de princípios políticos, sem força jurídica para obrigar, proibir, ou permitir eventual sanção por seu  descumprimento.”

O preâmbulo é bússola da atividade do jurista ao criar e interpretar qualquer lei do Direito Positivo Brasileiro.  É uma das linhas mestras interpretativas da Constituição. Mas, não prevalece contra texto expresso da Constituição, nem pode ser paradigma comparativo para declaração de inconstitucionalidade.

Ei-lo: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

Entendo, pois, que os valores (os bens) aí elencados são: o Estado Democrático, os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o progresso, a igualdade; a sociedade fraterna, pluralista e não preconceituosa; a convivência harmoniosa, a ordem interna e externa; a República Federativa do Brasil.

Entendo que, em 05/10/1955, quando, radiante de confiança e felicidade com o meu destino na vida, sentei pela primeira vez numa carteira do Banco do Brasil, no Gabinete do Contador da Agência Central do Recife,  depois de assinar um contrato individual de trabalho, onde constava esta cláusula (Carta-Circular nº 309/55), eu certamente havia conseguido garantir bem-estar, por toda a vida, para mim e meus dependentes: “assegurará o Banco pagamento da mensalidade equivalente a tantos trigésimos da média dos proventos totais dos cargos efetivos ou em comissão, exercidos no último triênio, quantos foram os anos de serviço computados para efeito de aposentadoria, até o máximo de trinta”, sendo que a “mensalidade compor-se-á da aposentadoria propriamente dita, custeada pela entidade de previdência social, e do complemento, a cargo do Banco, necessário a totalizar as vantagens mencionadas nos itens anteriores”. A pensão, então, consistia em 100% da aposentadoria. Ambos benefícios esses totalmente custeados pelo Banco do Brasil, ao longo do tempo de existência do funcionário e do pensionista. E eu pautei minha vida com a certeza de que havia garantido o bem-estar meu e de minha mulher.

Essa Circular FUNCI era tão entendida como cláusula contratual de trabalho, que não assinei documento algum relacionado a aposentadoria e pensão. Ao contrário da matéria relacionada à assistência prestada pelo Banco à Saúde. Com efeito, naquele dia, depois de eu solicitar esclarecimentos sobre a exigência de assinar o documento de ingresso na CASSI, o Banco, através do funcionário que me atendia nos respectivos procedimentos, me esclareceu: “ou assina ou não entra no Banco.”

Tratou-se, pois, de cláusula de contrato individual de trabalho com prestações diárias, no prazo de trinta anos ou mais, a meu critério, e contraprestações mensais salariais da parte do Banco. A minha confiança no Banco era total, enquanto o Banco tinha certeza que a minha parte no contrato seria cumprida, já que ele só me pagaria depois de cumprida a minha parte, isto é, realizado o trabalho contratado.

Aquele contrato de trabalho, pois, foi o exercício do direito individual mais fundamental, a saber, o direito à vida. Voltaremos a analisar esse direito à vida. Ele está aí, reclamado e reforçado, em vários outros valores. A Vida é o direito básico, subjacente a esse valor Liberdade, aí expresso. Esse direito à Vida está igualmente subjacente aos valores de bem-estar, progresso e segurança.

No momento quero restringir-me a ressaltar alguns aspectos desse contrato de trabalho. Ele estava ajustado ao valor “liberdade”. Éramos totalmente livres para ingressar no Banco. Ingressávamos por concurso, em geral, nacional. Naquele ano de 1955, em que me submeti ao concurso para funcionário do Banco, fomos mais de duzentos mil candidatos. Fomos aprovados pouco mais de setecentos. De sua parte, o Banco do Brasil estabelecia as condições de trabalho com total autonomia. Anualmente aguardávamos a revisão dos salários, promovida solitariamente pelo Banco, confiantes em que ele nos proporcionaria as melhores condições remunerativas possíveis. Eu mesmo, na Inspetoria das Agências do Exterior, fiz, no ano de 1964, os estudos para a revisão salarial dos empregados das agências do Banco no Exterior. Foi o primeiro trabalho que ali me confiaram.

Por outro lado, a liberdade está ligada à racionalidade. Qualquer fenômeno macro só se realiza quando plenamente determinado. A racionalidade humana abre diminuto espaço operacional para atividades que se realizam sob a guia da Razão. Eles acontecem sob a determinação final da vontade humana, de modo que a atividade determinante é guiada por razões. O homem faz certa coisa porque ele próprio determina fazer, de modo que ela só acontece porque ele a quer que exista. A Razão abre um espaço de decisão, de autodeterminação para os indivíduos humanos, de autonomia. É da Razão que derivam a autonomia e a dignidade humana. Somente o homem tem um espaço - pequenino espaço é bem verdade -, entre todos os seres naturais conhecidos, que goza de autonomia e da consciência, a luz da Razão!

Por outro lado, a existência humana é um naufrágio (Karls Jaspers), é nada (Sartre). O homem padece da angústia existencial (Heiddeger) de ser inevitável vítima de necessidades, incômodos, dores, sofrimentos e morte (Virgílio). Daí, o valor Segurança. A Cultura é o patrimônio acumulado das obras humanas na luta pela Segurança por afastar a Morte para mais longe e eliminar as carências, as dores e os sofrimentos e as incertezas do futuro. Quanto mais sofisticada for a Cultura e mais refinada a Civilização mais segura será a vida humana individual.

Acho que já somos capazes de entender os valores, os bens que nós, cidadãos brasileiros decidimos alcançar na convivência da sociedade brasileira e que nos devem guiar nesta análise: direitos individuais, liberdade, segurança, bem-estar, progresso. E sabemos que todos eles estão radicados no valor da racionalidade.

Então eu lhes coloco a questão que ora nos interessa:
A aposentadoria e pensão do pré-67 da PREVI deve ser regida pela lei do benefício vigente no dia do contrato de trabalho do funcionário, entendido que se lhe adicionam todas as melhorias posteriores, mas não se lhes acrescem as que degradam, ou pela lei posterior (da data do dia do benefício)?

O que lhes parece à luz dos valores constitucionais? Qual das duas normas se ajusta melhor à liberdade, à segurança, ao bem-estar, ao progresso e ao meu direito individual constitucional fundamental à vida?

Parece-me evidente que é a primeira opção, a Súmula 288 do TST que vinha regendo até recentemente as decisões da Justiça, nessa matéria de aposentadoria e pensão, nos tribunais trabalhistas: a aposentadoria rege-se pela lei do dia do contrato do trabalho, não admitindo degradação, mas alterando-se automaticamente, no caso de melhoria.

Isso me parece evidente no caso dos funcionários do BB-pré-67, haja vista, como narrei, a preocupação da PREVI, naqueles idos, em enfatizar que a PREVI recebera substancial reforço financeiro do Banco: o Banco assumira todo o ônus do passado (ainda hoje parte da aposentadoria desse grupo é paga com recursos ditos do Banco) .

Já a segunda alternativa (a aposentadoria rege-se pela lei do dia do benefício) deixa total incerteza, até a possibilidade da extinção do benefício, como a experiência nos comprova.

Aliás, o discurso da PREVI, naqueles remotos tempos de 1966, quando o Banco lhe transferiu o custeio das aposentadorias e pensões, era claro: de hoje em diante aposentadoria e pensão não mais são cláusula contratual de trabalho. São assuntos do Estado Brasileiro. Já a complementação desses benefícios é negócio da PREVI.

A PREVI continuou negociando aposentadoria de 100%, confiando como ela explicou aos funcionários, naquela ocasião em 1966, no substancial apoio financeiro e colaboração administrativa do Banco, função essa que mais tarde veio a assumir a designação de Patrocínio. Já a pensão foi imediatamente degradada, porquanto ela, que era sempre de 100% da aposentadoria, assumiu os contornos que hoje apresenta: a parcela de 60%, admitidas mais outras quatro, no máximo, de 10%, totalizando os 100% do valor da aposentadoria, em função do número de dependentes, se mais de um.

E o que pensar a respeito da situação dos colegas pós-67 do Plano de Benefício 1?

Claro que também eles se sentem inseguros quanto ao futuro: perderam a segurança financeira total do Banco, se bem que insinuada e entrevista e comprometida, como esclarecia a PREVI em 1966. Afinal, o Banco estava presente e agindo na PREVI. Ainda não existia o compromisso contratual de Patrocinador.

Evidente que todos, em 1967, perdemos muito, porquanto, até aquela data, o custeio do complemento da aposentadoria e pensão era totalmente suportado pelo Banco. Compartilhado com o Banco, a partir daquele ano, o valor líquido da aposentadoria não mais seria 100% do salário. Ele diminuirá na medida que aumentar o valor da contribuição!

(continua)


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