sexta-feira, 14 de outubro de 2016

360.Reformulação da Súmula 288 do TST - Análise (continuação)

Os Direitos e Garantias Fundamentais
As Cláusulas Pétreas

O Título II da Constituição Brasileira trata dos direitos e garantias fundamentais. O capitulo I do Título II trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. Estes direitos são conhecidos como direitos de primeira dimensão. Historicamente foram os primeiros direitos reivindicados pelo povo, na Era Moderna, ao insurgir-se contra o absolutismo dos reis, o Estado Leviatã, aquele de Luís XIV da França, o Rei Sol, que bradava: “L’État c’est mois (Eu sou o Estado=As leis são a minha vontade)”. Todos se submetiam às leis, exceto o rei. Este as formulava a seu bel prazer. A todos submetia. Todos eram seus súditos.

Esse capítulo I é muito vasto. Eis o seu corpo introdutório:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...”

A Constituição aí está dizendo que, no território brasileiro, ninguém, nenhuma autoridade, nenhum poder pode impedir que o indivíduo exerça o direito à digna vida de um ser humano, isto é, a conduzir-se com autonomia, guiado pela razão, como qualquer outro ser humano, na construção de uma sobrevivência digna (segurança e propriedade).

Will Durant ensina que, há cinco mil anos, Urukagina, rei de Lagash, uma cidade-estado da Suméria, uma das antigas civilizações, editou “o mais velho, breve e justo código de leis da História”, que tinha entre suas leis a proibição da “exploração dos pobres pelos ricos e de todo o mundo pelos sacerdotes”; proibia também o ingresso do “Sumo Sacerdote...(no)... jardim de uma pobre mãe e retirar lenha, e impor taxas sobre as frutas.” Há cinco mil anos, o rei de Lagash se preocupava com o direito à vida digna das mães pobres de sua cidade! A primeira lei conhecida na História trata do problema da proteção aos pobres, da vida digna da pobreza!

No entanto, o que mais nos interessa aqui neste momento é o que determina o inciso II desse longo artigo 5º da Constituição: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”, isto é, nada, ninguém me obriga a não ser a lei. Noutros termos, o cidadão brasileiro só se submete à lei. Ele não se submete a outro ser humano, seja ele quem for. Somente a lei cria direitos e obrigações do cidadão brasileiro. Esta norma é uma cláusula pétrea. E por que ela existe e existe como cláusula pétrea? Em razão dos princípios da dignidade humana, da racionalidade e da liberdade. Três princípios jurídicos fundamentais! E que três princípios jurídicos! Um deles, exatamente o invocado pelos eminentíssimos juízes do STF para a reformulação da Súmula 288 do TST!

Cláusula pétrea é “...dispositivo constitucional imutável, que não poderá ser objeto de deliberação de proposta de emenda constitucional. De acordo com o artigo 60, §4º, da Constituição Federal, "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais". Têm como objetivo evitar as alterações temerárias de assuntos essenciais para os cidadãos e o Estado.” Nem emenda constitucional pode alterar a cláusula pétrea, poisl.

Este parágafo 4º do artigo 60 da CF não é de fácil entendimento e é de difícil aplicação. Exige muito conhecimento, competência e prática jurídica. Ele tem o dom de permitir que a Constituição se atualize, isto é, se torne um organismo vivo, modifique-se permanecendo a mesma Constituição. Noutros termos, ela poderá modificar-se, sem se contradizer. Uma cláusula, como essa, que diz que o cidadão brasileiro só se submete à lei, jamais poderá dizer que ele, em determinado caso, terá de se submeter à vontade do Presidente da República.

Entende-se, pois, o inciso XL desse artigo 5º da CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;” É o princípio da irretroatividade legal. É também cláusula pétrea. Se a lei retroagisse, ela estaria criando direitos e deveres antes de existir. Evidente irracionalidade. Seria contra o princípio da racionalidade, invocado pelos eminentíssimos juízes do STF para convencer o TST a modificar a Súmula 288. Seria contra o princípio da dignidade da pessoa humana, portanto. Seria igualmente contra a segurança.

Já vimos que o Estado existe para que todos os indivíduos realizem a sua própria personalidade, que é inevitavelmente singular, isto é, diferente da de todos os outros indivíduos humanos, que existem, que existiram e que existirão. Cada um sabe qual é o seu bem-estar. Somente eu sei qual é o meu bem-estar. E eu tenho o direito de gozar do meu bem-estar, na medida em que essa fruição não prejudique o bem-estar de todos os outros.

Por outro lado, já vimos também que a lei é a norma que o Povo se impõe para que todos os cidadãos se conduzam de forma a conseguir o bem-estar da sociedade tal que crie condições para que cada cidadão realize o seu bem-estar individual. É evidente que essa lei tem que ser precedente à ação do cidadão e a lei é decisiva para as opções cruciais da existência do cidadão, como a do casamento, da geração de filhos e da escolha de profissão. Esses dois direitos individuais fundamentais, portanto, são inquestionavelmente cláusula pétrea que não podem ser modificados por emenda constitucional, muito menos por interpretação judicial, mesmo que emanada do STF. Tanto assim é, que eles já eram reconhecidos nas Constituições brasileiras anteriores de 1824, 1891, 1934 e 1946.

Com efeito, nós os funcionários pré-67 fizemos um contrato de trabalho com o Banco do Brasil em que ele, através da Circular-FUNCI-309/55, se comprometia, transcorridos 30 anos de trabalho, a nos proporcionar aposentadoria no valor do salário total percebido no dia da aposentadoria, mantido atualizado até a morte, no valor percebido por ocupante ativo do posto de carreira correspondente. Foi, por isso, que ingressamos no Banco. Essas duas normas, essas duas cláusulas pétreas, ao que me parece, nos garantiam claramente, inquestionavelmente esse direito. 

Em 1967, o Banco não desconheceu esse direito. Continuou responsável por esse compromisso, a seu modo, tanto que ainda hoje parcela do complemento da aposentadoria dos pré-67 é por ele paga. Naquela ocasião, época política de governo forte, transferiu, é verdade, ilegalmente, parte do ônus do custeio dos benefícios previdenciários, para os funcionários, mediante contrato por ele firmado com a PREVI. E obrigou a nela ingressarmos, como a própria PREVI o diz, já o vimos.

No meu entendimento, pois, os Participantes do Plano de Benefícios 1, pós-67 continuam vinculados ao Banco por contrato de trabalho. Eles ingressaram na PREVI por imposição do empregador e com garantia de benefícios previdenciários de 100% do salário do dia da aposentadoria

Se tudo o que acima expusemos está correto, urge se adicione o reforço de outra cláusula pétrea, o inciso XXXVI do artigo 5º da CF: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

A respeito, eis o que ensina Vinicius Ongaratto: “O ato jurídico perfeito é um instituto que foi concebido pelo constituinte, sob o aspecto formal. É aquele ato que nasce e se forma sob a égide de uma determinada lei, tendo todos os requisitos necessários exigidos pela norma vigente. Protege-se indiretamente o direito adquirido, pois não se pode alegar a invalidade do ato jurídico se advier lei nova mais rigorosa alterando dispositivos que se referem à forma do ato.

O ato jurídico perfeito, em outras palavras, consagra o princípio da segurança jurídica justamente para preservar as situações devidamente constituídas na vigência da lei anterior, porque a lei nova só projeta seus efeitos para o futuro, como regra.

É um fundamento constitucional que marca a segurança e a certeza das relações jurídicas na sociedade. É uma garantia aos cidadãos como fator da própria convivência social.

Em outras palavras, podemos dizer, com base no exposto acima, que o ato jurídico perfeito é aquele que sob o regime da lei, se tornou apto para produzir os seus efeitos pela verificação de todos os requisitos a isso indispensável. É PERFEITO, AINDA QUE POSSA ESTAR SUJEITO A TERMO OU CONDIÇÃO.

Este instituto é um ato que se aperfeiçoa, se integraliza, se faz inteiro, se consolida, se completa, se perfaz, debaixo de uma ordem normativa vigente, de uma legislação aplicável naquele instante. Por isso ele é chamado de ato jurídico perfeito. O ato assim nascido se incorpora ao patrimônio jurídico de quem dele se beneficia, adquirindo o beneficiário, um direito definitivo. Assim é o ato jurídico perfeito.

Qualquer tentativa de mudança desse ato torna-se impossível, pois, seria uma violação da coisa então consolidada Seria uma agressão à cláusula pétrea da Constituição Federal.

Ato jurídico perfeito trata-se de ato imodificável por lei ou por emenda constitucional, já que faz parte dos Direitos Individuais catalogados em cláusula Pétrea, nos termos do artigo 60, parágrafo IV, inciso IV, que diz; “Não será objeto da deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:...IV – os direitos e garantias individuais.”

É uma forma que o Estado tem de garantir a estabilidade nas relações jurídicas, para poder promover um sistema de Leis que não se sujeitam as deliberações pessoais que poderiam advir pela força do poder que alguns possuem e que poderiam a vir a ser usadas, em detrimento daqueles considerados menos aquinhoados social e economicamente.

O ato jurídico perfeito, desde que bem celebrado, há que ser acatado e cumprido, independentemente de qual tenha sido a relação jurídica.

É a garantia da estabilidade jurídica, o que como conseqüência, traz o triunfo da coesão da sociedade.

Portanto, de conformidade com o exposto, ato jurídico perfeito é cláusula pétrea que está inserida em nossa Carta Constitucional de 1988, o que garante ao indivíduo que o buscou, um direito adquirido.”

Aqui se trata, como se vê, do princípio da segurança, princípio que penso está intimamente ligado, ao da dignidade do ser humano, porque engloba a própria sobrevivência e em condições de bem-estar. Como o jurista nos ensina esse princípio é o fundamento da sociedade e do Estado, já que ambos são contratos, e contratos necessários para a existência da Humanidade. A vida humana é um encadeamento de contratos. E o princípio básico do contrato é o da segurança: pacta sunt servanda (o pactuado é para ser cumprido).

(continua)











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