O
homem primitivo era certamente sociável, já que pegadas de três milhões e
setecentos mil anos, comprovam a existência de três ancestrais do Homem
Moderno, dois adultos e uma criança, andando juntos de mãos dadas. O Homem Moderno, surgido há uns quinhentos
mil anos na África, fabricava artefatos artísticos (desenhava, pintava,
fabricava joias e estatuetas) e se comunicava pela fala de maneira tosca.
Ao
longo do tempo, o Homo Sapiens sofreu modificações físicas e, sobretudo,
comportamentais. Ele tornou-se principalmente mais sociável. Criou as
habitações, os povoados, as aldeias, as cidades e os impérios. Tudo isso foi
possível, porque aprimorou a comunicação e a sociabilidade. Aperfeiçoou a
linguagem. Criou a escrita e até a comunicação mecânica, eletromagnética e
eletrônica.
A
sociedade iniciou-se sob a atração sexual, biológica e orgânica da sensação de
bem-estar e da necessidade de sustento alimentar e proteção. Foi o matriarcado
primitivo. Este foi substituído pela sociedade amalgamada pela força, a
sociedade que se foi aprimorando no transcurso dos tempos, e Nicolau Maquiavel,
já bem próximo de nós, analisou existente ainda no século XV EC.
A
história registra surto de uma nova sociedade, na Grécia, no último milênio
antes da Era Cristã, que somente veio a tomar impulso, passados os primeiros mil e duzentos anos da Era Cristã, com paulatino progresso da democratização do
poder. No início do século XVIII da Era Cristã, Luís XIV ainda podia jactar-se
de que L’État c’est moi, o Estado sou eu!
Somente
no final desse século XVIII surgiu a primeira nação, tornada independente pela
força, mas organizada e fundada pela simples convergência da vontade livre de
seus cidadãos: os Estados Unidos da América. Logo, a seguir, a Revolução
Francesa tornava-se o centro irradiador da expansão da concepção dessa nova
sociedade, não mais ancorada na força, mas no consenso. A sociedade não mais é
a convivência do opressor com seus oprimidos. Doravante, ela é a convivência de
iguais. Ela é livremente procurada, porque ela é o ambiente cultural onde
unicamente se pode concluir a realização do projeto individual da vida de cada
parceiro. Todos os parceiros são politicamente iguais. Ninguém manda, ninguém
obedece. Ninguém nasce para mandar, ninguém nasce para obedecer. Ninguém é dono
de tudo, mas ninguém nasce sem nada e apenas recebe o que o dono de tudo lhe
doa. Todos são igualmente livres para se realizarem, para viver plenamente sua
vida particular (a Vida Plena e Feliz, de Martin Seligman).
Esse
ideal, essa sociedade de homens livres, do consenso, da convivência, de
entendimento pleno, de paz e prosperidade, só pode ser concretizada, realizada,
se todos agirem em cada instante de acordo com a concordância de todos. Então,
essa sociedade se baseia numa submissão, é verdade. Mas, essa submissão é de
todos à vontade unânime de todos, que, enfim, por isso mesmo, é a própria
vontade do indivíduo que obedece. Eu me submeto à minha própria lei. Eu me
dirijo. Eu sou livre, autônomo, porque não me
submeto a nenhuma outra pessoa, mas unicamente à norma, à lei que eu
próprio criei.
A
sociedade passou a ser ancorada não mais na força, mas no consenso, na concordância,
na norma, na lei. Mas, qual é essa lei, essa norma básica, essa âncora que
sustenta a sociedade, esse grude que todos une, essa norma de concordância, que
realiza a utopia, o inacreditável – que mescla o individual com coletivo, a
liberdade com a ordem, o egoísmo com o altruísmo, a utopia com a realidade?
Entendo
que Robert Nozick, advogando o Estado Mínimo, julga que o nível básico
normativo se reduz ao egoísmo puro: “é-me lícito fazer e não fazer, desde que
não prejudique aos outros (não lhes retire nenhum valor material, intelectual
ou moral).” Essa é a orientação sociológica básica do liberalismo econômico, do
Estado Democrático Liberal. Esta foi a orientação predominante na ciência
econômica, em seus primórdios, a economia do livre mercado, que foi revigorada
nas décadas de 70 e 80 do século passado.
Robert
Nozick advogou o Estado Mínimo, porque discordava de John Rawls que entendia
que a sociedade deve ancorar-se nas motivações concretas totais que unem as
pessoas, como descrevemos acima: um egoísmo concreto, realístico, que, à medida
que a pessoa se constrói, constrói também, concomitantemente, a sociedade e
interfere até na transformação da natureza, o meio ambiente natural onde se
vive, como confirma a Ciência – a Biologia, a Arqueologia e a História. Essa
norma fundamental da sociedade, esse grude social, poder-se-ia, penso,
expressar-se da seguinte forma: “É lícito fazer e não fazer o que bem aprouver,
desde que isso contribua também para o
aumento do bem-estar dos outros, nunca, porém, quando isso lhes prejudique o
bem-estar.” Essa é a orientação reativa moderadamente liberal aos movimentos socialistas, anarquistas e
comunistas do século XIX, que teve origem nas políticas sociais de Bismarck e
nas leis dos pobres inglesas, na orientação trabalhista adotada pela OIT e,
sobretudo, o Plano Beveridge do início da década de 40 do século passado. Esta
norma, penso, é, de fato, a âncora da sociedade, o grude do Estado Democrático
Liberal do Bem-Estar Social. O Estado que, de fato, existe em grande parte, do
Mundo Ocidental, eivado de muitos ingredientes perniciosos, infelizmente, em
determinados países, e que nova onda de liberalismo tenta destruir,
desconsiderando o grande número de países, cujos cidadãos usufruem os
benefícios proporcionados por essa maravilhosa construção social.
Nesta
segunda metade do século XX e início do século XXI estamos vivendo o embate
entre essas duas visões e construções da sociedade e da economia. Os proponentes
do Estado Mínimo reforçam o seu argumento, reafirmando o princípio básico da
economia de mercado: a liberdade econômica é chave da riqueza. A riqueza tem
suas próprias leis. Ninguém se enriquece com ética. Até Adam Smith temperava
essa norma. A doutrina econômica prevalente na atualidade recomenda medidas
corretivas e a História relata o rosário de insucesso dessa empreitada do
liberalismo desenfreado (“Oito Séculos de Delírios Financeiros”). Neste início
do século, presidentes de grandes potências perceberam que se havia confiado em
demasia na autocontrole do mercado.
A
ciência diz que o homem se constrói e constrói a sociedade e o Estado. Por que
somente a Economia o homem não constrói? Por que a racionalidade, a ordem,
alçou o Homo Sapiens, do estágio primitivo, quando nem propriamente falava, às
culminâncias do Homo Sapiens moderno (habitante extraterrestre, navegante da
atmosfera, condutor de naves interplanetárias e investigador do intra-atômico e
da origem do cosmos, artista refinado, construtor de uma existência "sem dor no
corpo e sem angústia na alma”, aspirante a uma vida sem trabalho e até imortal
– distância tão estupenda que, diz-se, até supera aquela que o afasta dos
próprios animais racionais! –, e não pode construir a economia?
Cabe
a cada um de nós fazer a sua opção. Eu já fiz a minha. Estou com a Ciência e os
fatos relatados pela História: o Homem se constrói e constrói a sociedade e constrói
até a Economia.
Cadê meu comentário?
ResponderExcluirEstou aguardando por ele...
ResponderExcluirEdgardo Amorim Rego
Ei-lo: Grande Ed, parabéns por mais um texto magistral. Que bom seria que todos nós, homens, construíssemos uma Economia decente, digna, solidária e igualitária, onde todos tivessem e usufruíssem do direito à felicidade. Abraço fraternal! PAZ E BEM!
ExcluirElis
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPrezado Elis
ResponderExcluirSeu comentário é estímulo incomensurável. Obrigado. A marcha da História, que os modernos pensadores afirmam destituída de finalidade, aponta, nada obstante, para inequívoca ascensão do nível de bem estar, num igualmente crescente aumento da brutalidade humana. Resta-nos a esperança de que as manifestações caóticas da transformação produza, enfim, o HOMEM HUMANIZADO.
Edgardo Amorim Rego