domingo, 15 de outubro de 2017

395. Aristipo, o Hedonista


Vimos que o grande legado de Sócrates à Humanidade foi o ensinamento de que o homem é um animal racional. Isso estabelecido, ele concluía que a virtude, isto é, a perfeição humana consiste no excelente exercício da razão. O homem virtuoso, o homem perfeito, o homem ético é o homem sábio, o homem que sabe melhor explicar racionalmente as coisas, que melhor sabe o que cada coisa é. Convicto dessa realidade, ele dedicou incansavelmente sua existência a promover a atividade racional entre seus conhecidos. Sócrates instigava seus discípulos a adquirir um hábito de raciocinar por ele inventado, a maiêutica, um método dialético de captar a luz do entendimento do que cada coisa é justificadamente, através de razões, um processo mental que evolui mediante a ampliação gradual da evidência.

Sócrates, como os Sofistas, foi um mestre. Como os Sofistas, Sócrates possuía discípulos. Os Sofistas ensinavam aos discípulos a arte da retórica, de proferir discursos persuasivos. Eles preparavam seus discípulos para se tornarem líderes da cidade democrática de Atenas, alcançarem sucesso nos debates da Assembleia e do Areópago, para dominar, submeter os cidadãos, dominar a cidade. Sócrates provocava o debate entre seus discípulos, um debate metódico, a maiêutica, com o propósito de obter o conhecimento, a mais aceitável explicação racional das coisas, a iluminação da mente, o encontro da pessoa com a precisa realidade das coisas no interior de sua mente, a perfeição humana, a sabedoria.

Não admira, pois, que morto Sócrates, os seus amigos e discípulos hajam prosseguido nesse trabalho de ensinar, de transmitir a sabedoria, hajam continuado sendo filósofos, amigos da sabedoria. Will Durant diz, citando Isócrates, que Atenas se tornara a escola da Hélade: “Havendo enfraquecido a antiga religião, os filósofos lutavam para encontrar na natureza e na razão os sustentáculos para a moral e a orientação da vida.”

Surgiram, assim, várias escolas filosóficas. A mais importante delas foi a Academia, a escola filosófica de Platão, a primeira síntese explicativa do Homem e da Natureza cuja mais importante e fecunda tese é a existência do mundo suprassensível, o mundo real, do qual o mundo sensível é frágil cópia. Essa explicação do mundo perpassou os tempos, foi dominante até o século XVIII e ainda hoje perdura. A História registra Platão como um dos mais importantes pensadores que existiram.

A História relata ainda outros quatro discípulos de Sócrates, os filósofos socráticos menores, que se dedicaram ao ensino da Filosofia. Fedon ensinou em Élida. Euclides, precursor do Ceticismo, abriu sua escola em Megara, onde ensinava a erística, a arte da argumentação, segundo Will Durant, pondo em “duvida todas as conclusões e no século seguinte se transformou no ceticismo de Pirro e Carnéades.”.

Antístenes ensinava num ginásio e templo, situado fora dos muros de Atenas, o Cinosarge (o cão ágil), e, por isso, seus discípulos ficaram conhecidos, como Cínicos. O cinismo é precursor do Estoicismo. Antístenes opunha-se a Platão. Negava intransigentemente a existência do mundo das Ideias, do suprassensível. Para ele a doutrina socrática se restringiu ao conhecimento da excelência humana, da vida virtuosa, da sabedoria, da conduta racional, da ética como entendida então pelos   atenienses. Penso que a melhor explicação do Cinismo é esta que localizei na Internet: “A maior virtude para eles era a autarcia, o que se basta a si mesmo, e renunciar os bens e prazeres terrenos até conseguir uma total independência das necessidades vitais e sociais. O autodomínio permitia alcançar a felicidade, entendida como o não ser afetado pelas coisas más da vida, pelas leis e convencionalismos, que eram valorizados de acordo com o seu grau de conformidade com a razão.” O mais conhecido dos filósofos cínicos é Diógenes de Sínope, aquele que se cobria com um barril, vivia na rua, e de tanta fama gozava que Alexandre Magno quis conhece-lo, indagou-lhe de que precisava e dele ouviu que apenas se afastasse e não o privasse do que não lhe podia dar, a luz do sol que sua sombra inibia atingi-lo.

Aqui, todavia, detenho-me neste outro discípulo de Sócrates, o elegante Aristipo (excelente cavalo), de fino trato, orador eloquente e convincente, personalidade sedutora, cercada por vasto contingente de amigos que seu agradável relacionamento suscitava,   retrata-o Will Durant. Após a morte de Sócrates, encetou longa viagem de volta a Cirene, sua cidade natal, havendo coabitado nessa oportunidade, na sua estada em Corinto com Laís, a mais bela das atenienses.   Ensinou em Cirene, a Escola Cirenaica, o hedonismo. Aristipo entendia que nada mais se obtém que uma opinião sobre as coisas. Ele era, pois, cético como Euclides. Certeza só temos no conhecimento dos nossos sentimentos, porque se trata de um conhecimento direto.

Assim, a excelência humana, a virtude, a sabedoria humana consiste na busca das sensações agradáveis. Não reside na mera atividade do conhecimento especulativo do que as coisas são. Assim, o homem sábio é o que busca os prazeres físicos. Will Durant explica: “Ele não deve sacrificar um bem presente por um hipotético bem futuro; só o presente existe e o presente é talvez tão bom quanto o futuro, senão melhor; a arte de viver reside em agarrar os prazeres que passam e aproveitar o mais possível o momento presente. A filosofia não deve ser usada para nos afastar dos prazeres, mas para nos ensinar qual o mais agradável e útil. Não é o asceta que se priva do prazer quem o domina, mas... o homem que com ele se deleita sem se deixar escravizar, e sabe distinguir com prudência os prazeres perigosos dos que não o são; portanto o homem sábio deve mostrar um inteligente respeito pelas leis e pela opinião pública, mas procurará de todos os modos evitar “tornar-se senhor ou escravo de qualquer homem”.”

Alguns dividem o tempo histórico em Idade Antiga (até a queda do Império Romano)), Idade Média (até a Revolução Francesa) e Idade Moderna (os tempos atuais). Pode-se afirmar que em toda a Idade Média a Humanidade foi conduzida pela genial intuição da dualidade sensível e suprassensível de Platão, assimilada pelo judeu-romano Paulo de Tarso, na síntese religiosa cristã que moldou a cultura do Homem Europeu nesse milênio e meio.

Parece-me patente que nestes tempos modernos, que até pós modernos chamados já são, o hedonismo de Aristipo, energizado pela intuição alucinada de Nietzsche, o super-homem, apoderou-se de forma virulenta e desautorizada pelo sábio grego, das energias que comandam o processo de aculturação da Humanidade.   
    










                                 


                                                                                         

2 comentários:

  1. Prezado Edgardo. Valioso o seu texto, alinhando com sabedoria didática grandes lições, que demonstram a misteriosa racionalidade do Homem, infelizmente, obscurecida, de tempos em tempos, aqui e acolá, pela estupidez de alguns. Comecei bem a semana que comemora o dia 20. Cordial abraço do amigo e admirador.

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  2. Meu Diretor por opção e admiração
    Fascina-me a já longa história dessa saga de Prometeu na ilusória conquista de uma sabedoria inesgotável!...
    Edgardo

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