domingo, 4 de março de 2018

407. Diálogo com um Amigo Anônimo (continuação)


4. “Porém, o termo patrocinador, adotado pela legislação da previdência complementar brasileira por influência da legislação norte-americana, não traduz fielmente a realidade, pois em geral os planos de benefícios brasileiros, operados por EFPCs, não são financiados exclusivamente por seu patrocinador, mas também pelos seus participantes. Copiou-se, pois, o termo técnico “patrocinador”, e não o seu significado. No Brasil, em termos práticos, a regra geral é o copatrocínio por parte dos empregadores, já que o financiamento do plano de benefícios é compartilhado pelo patrocinador e pelos participantes e assistidos.”

Concordo neste ponto: a legislação brasileira pode ter sido influenciada pela norte-americana no adotar o conceito de patrocinador para designar uma pessoa jurídica que decida doar recursos para serem gastos nas despesas de sustento de necessitados, incapacitados. Tudo mais que esse texto insinua me parece grave confusão, pois penso ser inadmissível aceitar-se que alguém, mormente um incapacitado, um necessitado seja seu próprio patrocinador. Patrocinador é patrocínio, é relação misericordiosa, dadivosa, de ALTERIDADE de quem tem sobrando com quem está penando por carência. Patrocinador tem a ver com pai, com patrimônio. Tudo isso se liga ao pater famílias da sociedade romana, o poder absoluto do genitor sobre a descendência, as mulheres, os familiares (fâmulos), os serviçais e os bens, as terras, os animais e os escravos, poder esse que, em determinadas circunstâncias, abrigava até aquele, o máximo, sobre a vida e a morte de um recém-nascido.

O conceito fundamental da previdência social brasileira é a proteção social, é o negócio entre o indivíduo e a sociedade, entre o indivíduo e o Estado, entre a geração presente e a geração futura, entre genitores e descendência, como está lá bem claro no artigo 201 da Constituição: o benefício previdenciário é um seguro do Estado, único representante possível de gerações, da sociedade.  O beneficiado é um segurado pelo Estado. É clara a influência bismarkiana: o conceito bismarkiano de previdência social, aprimorado por um século de cultura sob os holofotes beveridgeanos, tradição cultural europeia. E a Previdência Social brasileira foi isso durante quatro décadas, de 1930 a 1970.
                                                                                            
Ela sofreu alteração legislativa na década de setenta do século passado, através da Lei 6435 de 1977, que pretendeu, acredite-se, manter o vinculo entre gerações, entre indivíduo e Estado, embora transplantando parte da responsabilidade previdenciária para o Direito Privado. O que era uma relação entre gerações, uma retribuição filial da geração presente para os incapacitados da geração passada, transformou-se, de fato, num negócio particular de seguro, resultado de mera acumulação de rendimentos de capital, proveniente de eventual ato de benevolência do patrão, o pater familias, o dono de toda a renda - da renda da terra, da renda do capital e da renda do trabalho – o Patrocinador da Previdência Complementar, já que, na sociedade capitalista contemporânea, toda renda da EFPC tem origem na riqueza produzida por uma empresa, seja ela instituída por empresa privada – individual ou coletiva - ou estatal. A renda do trabalho, com efeito, e até a renda da aplicação dos recursos do fundo têm origem na empresa, a fábrica do lucro, da riqueza.

Essa unidade ôntica foi acolhida pela legislação previdenciária, que foi propositadamente elaborada para limitar a responsabilidade do Patrocinador ao valor que decidisse comprometer na seguridade previdenciária. Assim, instituída a EFPC (Estatutos e Regulamento Básico), o empregador a ela se vincula, por um ato de adesão, o convênio de Patrocínio entre empregador e EFPC (artigo 61,§1º do Dec. 4942/2003, artigo 13 da LC 109/2001 e o artigo 9º da Resolução CGPC Nº 12, de 2002), que cria o relacionamento de Patrocínio, relação jurídica entre empresa patrocinadora e EFPC, inclusive a obrigação de pagar benefício previdenciário, e pode até conter a obrigação de periodicamente pagar contribuição. Já a adesão de Participante, que cria a relação jurídica de Participante, se processa pela simples filiação ao plano de benefícios previdenciários, relação jurídica essa entre pessoa física e EFPC, que cria o direito de a pessoa física perceber benefícios previdenciários, e pode incluir, por mais incrível que pareça, até a obrigação de assistido pagar contribuição (artigo 21 da Lei 109/2001)!

Esses conceitos e relações jurídicas de Patrocínio e Participação são bem distintos e inconfundíveis. O Patrocinador é pessoa jurídica que doa recursos à EFPC para pagar benefícios previdenciários, recursos esses que podem assumir a forma de contribuições periódicas, bem como tem a obrigação legal de supervisionar a EFPC. (Artigo 41,§2° LC 109/2001) O Participante é pessoa física que, preenchidas determinadas condições, adquire o direito a perceber benefício previdenciário pago pela EFPC e pode ter a obrigação de fornecer recursos à EFPC na forma de contribuição.(Artigo 8º, 18 e 19 da LC109/2001)

A legislação previdenciária, em parte alguma, se refere a copatrocínio de Patrocinador e Participante. Ela trata, é claro, de copatrocínio de pessoas jurídicas, de Patrocinadores (Artigo 13 da Lei Complementar 109/2001). Patrocinador gasta, Participante percebe. Patrocinador protege, Participante é assistido. Patrocinador tem renda, Assistido não tem. São polos opostos de uma realidade, de uma situação existencial totalmente oposta, que a lei separou por um biombo protetor, a EFPC, que protege a integridade do capital do Empregador bem como a sobrevivência do empregado incapacitado.

(continua)


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